Embate por uma alma: luz contra trevas
A igreja estava cheia, como era de se esperar, pois, era dia de batismo. Cerca de quarenta pessoas estavam para ser batizadas; fora as que, tomadas de uma inquietação sobrenatural momentânea, decidem, na hora, fazer o mesmo. A liturgia que sempre acontecia nesses dias se fazia presente e rigorosa, com todos os hinos pedidos voltados para esse aspecto. O cuidado no processo onde o 'velho eu' morre e uma 'nova criatura' emerge das águas sempre era extremo. Os tanques, grandes e de frente para todos, estavam preparados para receber aqueles que buscavam uma nova vida, e esses já se encontravam devidamente trajados para a ocasião, com uma leve roupa branca. Os líderes religiosos guiavam tudo na comunhão do 'Santo Espírito', que emanava forte daqueles que estavam presentes. Um de cada vez saía de uma sala que ficava ao lado esquerdo do tablado e se dirigia para o tanque, onde se encontrava o 'cooperador' responsável pelo batismo; esse que, com uma das mãos, segurava na parte superior da cabeça daquele que seria batizado, dizia o pronome pessoal 'eu' seguido do próprio nome e em seguida completava dizendo, "lhe batizo em nome do senhor Jesus Cristo"; e assim, submergia a pessoa, que irrompia as águas num segundo.
Tudo transcorria normalmente, como de costume, um a um era batizado, e restavam poucos para concluir o batismo do dia, quando chegou a vez de uma moça que tinha um pouco mais de vinte anos. Seus cabelos eram negros e compridos, sua pele era alva e seus olhos estavam num tom escuro. Diferente daqueles que foram batizados antes dela, seus passos eram arrastados, muito lentos; e não havia a expressão habitual que, comumente, se percebe naqueles que experienciam a graça santa. Os 'cooperadores da obra', que guiavam o batismo, tinham conhecimento do que se tratava, assim como alguns dos vários que assistiam também, e a comunhão necessitou de ser aumentada. A moça, em questão, era membro de uma seita de feitiçaria, mas, decidida a abandonar o mundo da magia negra, vinha se convertendo há alguns meses, muito por conta da visita dos irmãos da igreja; e acabou por sentir a necessidade de selar seu espírito nas águas. Porém, diferente das pessoas comuns, ela havia sido uma serva dos demônios e eles não queriam perder um dos seus servos nessa guerra da 'luz contra trevas'. O embate era ferrenho, as orações e súplicas foram elevadas. Era o que podia e devia ser feito, pois, a 'obra' é feita por graça e amor, e não por força e violência; sendo assim, o caminhar daquele que mergulharia nas águas deveria ser por conta própria, e não forçado por algum cooperador. As forças malignas usavam todo o poder que tinham permissão para atuar ali, naquele templo santo. Rondavam a moça e faziam uma pressão absurda em seu corpo; a obsessão que sofria era interna e externa; tinha visões aterradoras e seus sentidos estavam desconfigurados. Por dentro, sentia uma efervescência de cólera, ânsia de desespero e parecia que seus órgãos saiam do lugar. Intrépida e valente, ela usava toda a força que tinha, elevando seu pensamento ao 'Criador', conseguindo caminhar vagarosamente, rompendo lentamente a pressão que sofria. A igreja, e ela própria, desejavam quebrar o mais rápido possível com aquilo tudo e fazê-la adentrar naquele tanque, onde estaria, enfim, livre da opressão demoníaca; esses, que trabalhavam incessantemente para que a moça caminhasse para trás e desistisse do batismo. Onisciente, o 'grande Criador' sabia o resultado da batalha; nos céus, os anjos cantavam um hino desconhecido dos humanos, cuja vibração descia na direção daquela igreja. As hostes espirituais malignas apertavam a carne frágil da moça, que chegou a cair de joelhos, deixando hematomas pelo seu corpo. A batalha incessante prosseguia e a irmandade presente era tomada vorazmente pela guia do 'Espírito Santo'; e foi num momento onde a luz divina quebrou o espectro negro ao redor da moça que ela conseguiu se levantar e caminhar rapidamente até o tanque, onde o cooperador, exausto, executou o batismo, para que um forte "glória a Deus" fosse, em uníssono, emitido pela igreja. Do céu se fez ouvir um grande estrondo; eram os anjos em festa pela alma que foi tirada dos domínios do mal. Os demônios ao redor da Terra se dilaceravam de ódio, já planejando novas investidas.
Deus e os seus anjos, assim como Satanás e seus demônios, se digladiam diariamente e a todo instante por cada alma vivente, pois, os dois lados, luz e trevas, sabem que a carne tem prazo de validade e, em algum momento, regressará para de onde veio, o pó. Mas o espírito, esse ficará sob o domínio de um dos lados para todo o sempre, seja para a 'glória eterna' ou 'tormento interminável'.