Quando a cela se destrói (microconto).
Balançava-se na cadeira, buscando algo, pescando no lago da mente. Havia três quadros na parede, todos de formatura: o dele e de mais dois irmãos. Ambas as fotos possuíam um fundo vermelho, a mesma cadeira com o brasão da República e, talvez, o mesmo chapéu azul-negro; mudavam as roupas e os canudos. Outra diferença: o quadro do meio tinha as bordas douradas; o restante era de cor prateada. E o balanço não cessa, o vento vem, vuvente, refrescante. Mas chega, dá um fastio. Há coisas a fazer. Na verdade, essa sua alteração repentina de estado veio de raiva, oriunda de tristeza. Parado, atento, sem sons, ruídos, acabou lembrando de um passado acontecido ainda muito vivo em si, latejante. Terapias e afins, meses de insistência para tentar fugir desse sentimento. Pensava que tinha superado, havia dias esse calar de suas lembranças. Porém, nesse silêncio profundo, absorto nas imagens, deu-se conta do som do ventilador ao seu lado. Tanto barulho diário... por que isso agora? Sempre esteve ali, ventilando, mas só agora seu vuvo tomou vida. Aí ele se revoltou, sentiu a dor novamente. Quis ir à cozinha, fazer algo: um sanduíche, qualquer coisa. Se esforçava para não ser vencido. Houve um estardalhaço. Virou-se e viu o quadro do meio, o dourado, caído. Ele, no fim do corredor azulado, viu como molhado o chão atingido, mas... ali havia mais: uma luz em forma de menina. Sua irmã... Ela chorava ou sorria?