FILMANDO A MORTE
Jorge, um brasileiro desconhecido morador de uma metrópole no Sudeste, de quem a vizinhança nada sabia, sujeito caladão, sizudo e solitário, tinha uma fome mórbida de testemunhar e filmar alguma tragédia, qualquer que fosse, para vender à mídia, publicar em suas redes sociais e compartilhar com os grupos aos quais pertencia. Com essa finalidade e intenção, levava o celular cem por cento carregada a bateria e o tempo inteiro desbloqueado. Afinal de contas, pensava, o tipo de ocorrência que ele procurava poderia acontecer de repente, num lugar ou noutro.
De tão obcecado pelo objetivo no coração, visitava obras de construção civil, permanecia horas tanto lá quanto nas grandes avenidas movimentadas, ia às praias, ao aeroporto, às rodovias e demais locais onde houvesse o vai e vem humano. Gravava em cada ponto, depois apagava a gravação se nada tinha de interessante ou trágico para salvar e continuava tentando garantir o orgasmo de sua obsessão.
Dia após dia voltava para casa frustrado, emburrado por não conseguir seu anelo, enraivecido consigo mesmo por ser um pé frio quanto ao intento pretendido. Dormia e acordava pensando nisso, já até meio depressivo, ranzinza, tomado completamente por constante azedume.
Foi então que teve um pavoroso pesadelo em determinada noite. Nesse momento a luz dos insigths iluminou sua mente. Agora sabia como agir de modo a atingir o ápice do acalentado sonho. Na manhã do dia seguinte ao pesadelo, horário de pico, dirigiu-se até a avenida de tráfego mais intenso. Em lá chegando, usando uma engenhoca por ele mesmo idealizada, colocou o celular com a câmera ligada, correu na direção do trânsito louco do horário e se jogou na frente do caos.