SEM TER A QUEM RECORRER
Penso que vou enlouquecer, ou então é apenas o medo e a incerteza de que isso possa realmente acontecer. Dias e noites vão e vem, o sol nasce, a lua surge, o tempo passa, as coisas seguem seus rumos enquanto eu, confinado nas quatro paredes escuras da minha mente, vivo à espera de um milagre, alguma mudança por mais ínfima que seja e renove as alegrias dos primeiros anos de outrora.
Mas não, nada, e à medida que os dias e anos correm tudo me faz crer na plena possibilidade de, enfim, descer por impulso ou empurrão do destino o abismo da loucura e despedaçar o pouco de lucidez ainda palpitando minha alma. Dez anos já se passaram desde o último beijo, o último e tímido sorriso e o último e débil abraço dela recebidos. Depois disso, iniciando o calvário, o mutismo e a solidão, a seguir o silêncio completo, a grande e triste transformação corroendo-me os pensamentos.
Nesses anos todos a barra pesou cada vez mais dia após dia. Apesar dos pesares, esforcei-me para suportar, enganei a insanidade, procurei na simplicidade das coisas qualquer motivo, ainda que mínimo e plausível, com vistas a esquecer, aceitar, viver, ir adiante, não ceder aos amargos acenos do caminho sem volta da loucura. Todavia, quem é forte o bastante para suportar as punhaladas da amargura e a ausência de amor e carinho? Não eu certamente.
Agora, estando os acontecimentos e as pessoas tão distantes, o cerco da saudade e das ausências apertando, os finos contornos da depressão se afunilando, enquanto ainda posso reconhecer, vislumbro que terminarei por ceder aos distúrbios da mente abalada, temo dormir sereno e despertar envolto numa tempestade mental insana. Sem ninguém a quem recorrer, sem mãos amigas aptas a cuidar de meus passos e me mostrar os rumos, as direções e as luzes da percepção cotidiana. Eu, se louco, serei e terei apenas eu por mim mesmo, então não saberei como serão os meus amanhãs. Socorram-me por favor, alguém segure as minhas mãos e guie os meus pés.