LEOPOLDINA, A LOUCA QUE COSTURAVA CARNE
Dona Leopoldina era mulher muito excêntrica, esquisita, estranha, caladona, distante e rica. Bem, pelo menos para os padrões de todos os seus vizinhos da humilde ruazinha de piso de barro onde morava. O marido dela tinha comércio próspero de vídeos, quadros e imagens, ostentando estilo de vida a que somente o casal tinha acesso, portanto em comparação com seus vizinhos eles eram ricos.
Dona Leopoldina, no entanto, parecia uma louca nas roupas que usava, no jeito de falar e no estilo de vida nada condizente com o patrimônio do marido. As fofoqueiras de plantão diziam que Alfredo, seu marido, tinha amantes e não se importava nada com ela. Vivia e deixava viver. Para o objetivo principal deste relato, é bom frisar, a vida amorosa e financeira do casal não tem muita relevância, o assunto veio à baila apenas para ilustrar esses pequenos aspectos de ambos que não interferiam na atividade mais importante da nossa personagem e que é o ponto essencial da narrativa.
Porque dona Leopoldina era curandeira, rezadeira ou benzedeira, algo assim, esse tipo de profissão não regulamentada tão comum nos idos nordestinos de outrora. Quando alguém da rua torcia o pé, o braço, a coluna ou o pescoço, criança ou adulto, a família se valia dos dons de dona Leopoldina. No caso específico dos pés, em especial nos meninos que eram mais peraltas, chamada às pressas para resolver o problema ela chegava trazendo retalho, agulha e linha. Suas ferramentas de cura.
Colocava o paninho sobre a parte inchada, enfiava a linha na 🪡 agulha, fechava os olhos e começava a pronunciar palavras incompreensíveis enquanto ia introduzindo o artefato como se estivesse costurando. A agulha entrava por um furinho e saía adiante, produzindo trançados, laçadas e mais laçadas no paninho, enquanto ela sonorizava concentrada o seu misticismo desconhecido. E terminava a benzedura ou as rezas após costurar o retalho inteiro sobre a inflamação. O mais incrível nessa alquimia é que, no máximo em três dias costurando o paninho, cada dia um diferente, a entorse ou torção desaparecia completamente. "Pronto", dizia ela," a carne do menino já está costurada, ele vai ficar bom hoje mesmo." E assim era. De maneira inexplicável, segredo nunca revelado a ninguém, dona Leopoldina, a mulher excêntrica, estranha, esquisita e louca da rua, curava as pessoas costurando suas carnes machucadas e as contusões através do paninho nelas sobreposta e das palavras certamente de reza ininteligíveis faladas à medida que costurava. Diziam-na meio adoidada, mas muitas crianças voltaram a correr sem dor depois de sua ação e perícia na arte de costurar a carne rasgada dos pés torcidos e dormentes.