LOUCO E ARMADO
Toda a torpe engrenagem da vida o ajudou a chegar àquela difícil encruzilhada. Jamais houve flores em seus passos ou incentivos com vistas a colimar objetivos, os sorrisos no caminho se mostraram pífios e em doses homeopáticas, porções sem graça nenhuma. Amor? Ah, quando muito logrou meros gestinhos inconsistentes, simulacros de abraços disfarçados! Não, nunca provou do amor de verdade. Ele mesmo sentiu, pelo menos teve a impressão que sim, e teria gostado bastante de expressa-lo. A quem? Inexistia reciprocidade.
Quem faz a jornada humana pelos caminhos e descaminhos cotidianos sem qualquer companhia? Andar em demasia sem o consolo de um olhar cúmplice capaz de animar e elevar a moral cansa. E como! Não se trata somente do cansaço físico, senão do emocional. Mãos amigas sustentam, são como cajados para o manco. Sem apoio somos desencorajados a prosseguir, porque surge o desânimo que nos insta a desistir.
Assim foi com ele. E por não contar com a benção assistencial das amizades, da fraternidade e do sentimento maior que é o amor, ganhou a adoção da loucura. E ao ser adotado por ela recebeu o primeiro abraço sincero e demorado de todos os tempos, aquele aperto gostoso que desejamos nunca termine. Enlouquecer virou cano de escape aos seus desabafos. Agora sim, recebia da insanidade o carinho a ele negado ao longo da vida.
Armado da loucura, no manto do seu conforto envolvido, enfrentou o mundo e a quantos o rejeitaram, insultaram e vilipendiaram. De ninguém mais necessitava, tinha desde já o suporte da demência, a fuga com que sonhara dia após dia. Ela o conquistou, fê-lo seu melhor amigo, entregou a preciosidade do amor e o horizonte do afeto. Que os outros o desprezassem, podiam zombar, enxotassem-no até, dele fizessem chacota. Não se importava, era amado. Pela loucura sim, mas amado. Não há arma mais poderosa do que o amor, embora da loucura.