O SOPRO DE VIDA
Uma casinha pequena, simples, humilde, feita de taipa em meio à solidão do sitiozinho lá pelas brenhas do nada. Dentro, em silêncio, habituado apenas ao cricri dos grilos, o coaxar das rãs e ao assobio suave do vento noturno, o casal de idosos esperava o sono chegar. Igual a todos os dias de seus anos. A velhice, o tempo, a noite, a ínfima luz das estrelas enchendo o céu de pontinhos brilhantes.
Fora da casa, a escuridão não debelada pelas constelações; no interior somente a vela caseira trabalhada por eles com cera de carnaúba. Tremulando acesa, contando as horas, esperando esvanecer e apagar durante a madrugada. Única companhia daqueles que, ali longe de tudo, tinham vivenciado momentos bons e maus, alegrias toscas e tristezas mancas, sol escaldante e chuvas torrenciais, amor e desprezo. Apenas humanos, digamos. Pó ainda vivo, só não sabiam até quando.
As noites eram sobremodo iguais, rotineiras, sem graça, nada além do incansável dia e noite, noite e dia. Poder-se-ia dizer que ambos esperavam a morte chegar. Certamente. Como o ciclo, o imutável, a roda girando lentamente no curso do espaço. Sem parar. O caldo borbulhante da existência que vem, vive, cresce, envelhece e perece
Mas naquela noite algo nunca dantes ocorrido aconteceu. A velinha de cera de carnaúba não esmaeceu, nem diminuiu de tamanho, nem apagou. Os velhinhos viram, boquiabertos e sem entender, a desengonçada vela subir sua chama como se vida própria tivesse, e subiu muito, agingantou-se de forma súbita, aumentando a claridade. Não para queimar ou incendiar o casebre, pois estagnou a nível seguro e fez algo estarrecedor aos olhos do casal velhinho: soprou de volta para o lugar de onde vinha todo o vento que entrava pelas frestas. Assim agiu a noite inteira, permanecendo acesa até a aurora surgir.