A MULHER QUE NUNCA TOMOU BANHO

João trabalhou quase trinta e seis anos naquela instituição financeira à qual dedicou-se com afinco ao longo desses anos todos. Subiu vários degraus funcionais e, por conta não somente desse apreço ao trabalho e à casa que o acolheu por concurso, mas especialmente por seu carisma, a maneira gentil como tratava a todos e a eficiência dos serviços que executava, era muito benquisto por todos os colegas.

Fizeram uma grande homenagem a ele no dia de sua merecida aposentadoria, com direito a bolo, refrigerantes, discursos de despedidas, abraços efusivos e lágrimas de antecipada saudade. Emocionado e meio sem graça, porém feliz, ele agradeceu aos colegas numa breve fala em que contou a trajetória de sua vida, de como foi difícil ter tempo para estudar e trabalhar, à época como vendedor de uma lojinha inexpressiva pertencente a um tio antipático e chato, das madrugadas varadas por causa do estudo e, finalmente, a alegria do prédio maior que foi ser aprovado no concurso e ingressar no grande banco ao qual dedicou mais da metade de sua vida. Foi um inesquecível momento de confraternização e adeus.

Ainda assim, mesmo aposentado, a amizade com os colegas do banco perdurou, por isso no dia do aniversário de seu antigo chefe de setor ele foi convidado e muito bem recebido pelos companheiros. Além de comer e beber na companhia deles, recebeu do próprio gerente do banco uma placa em homenagem a ele, o que muito o emocionou e alegrou. Esteve de sala em sala para abraçar os antigos colegas, mas ao chegar na última foi avisado para não entrar. Estranhou, perguntou o motivo.

Levaram-no para um local mais discreto e explicaram: na sala a ele vetada trabalhava uma funcionária que nunca tinha tomado banho em toda a sua vida, por isso certamente não seria de bom tom entrar lá. Ela havia passado no último e mais recente concurso e passava o expediente inteiro trancada, ao fim da tarde, sob o discreto afastamento dos demais funcionários com a mão no nariz, dizia um cumprimento e ia para casa. Ninguém nunca ousou perguntar por que ela não tomava banho. João, atônito, ficou boquiaberto e mudo.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 02/02/2023
Reeditado em 02/02/2023
Código do texto: T7709578
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