O GATO FALANTE
Numa tarde bastante quente do verão brasileiro, passando por uma rua deserta e silenciosa, avistei um gato sozinho deitado sobre um muro lambendo as patas na maior tranquilidade. Não sei se ele estava feliz ou triste, se sentia ou não a falta da companhia de uma fêmea, mas doeu-me vê-lo em tamanha solidão.
Tentei aproximar-se dele, fui notado. Ele me olhou indiferente e miou de uma forma estranha, escondido em seu desprezo. Cheguei mais perto, o gato levantou e me olhou bem nos meus olhos. Nesse momento estremeci, percebi nos movimentos do rabo uma reação deveras inusual, um distanciamento calçado numa arrogância incomum nos felinos solitários. Quando andei mais alguns passos para alcança-lo ele falou.
Eu disse que ele falou? Sim, e realmente assim foi. Ou enlouqueci de repente ou o bichano, se esticando e jogando o rabo para cima e para baixo me disse " que queres tu de mim?" Quase caí de tanto susto e inusitado choque. Virei-me e desabalei numa corrida tresloucada, apavorado, arrepiado, a "voz" esquisita do gato badalando em meus ouvidos: "que queres tu de mim?"
Súbito, enquanto corria feito um louco, algo me aconteceu, penso que semelhante à síncope, e fui arremessado ao chão estatelado. Acordei no meio da noite na mesma rua deserta ao lado daquele gato assustador, que me lambia o rosto e dizia insistente "que queres tu de mim?"