A VELHINHA DEBRUÇADA

Andando lentamente, parando de quando em vez para suspirar profundamente e colocar as mãos nos quadris obesos, ela, cansada não da vida mas dos vivos, foi até a janela que amanhecia fortemente ensolarada sob o sol quente do Nordeste, afastou a cortina para o lado, abriu, respirou fundo o ar puro do novo dia, voltou no mesmo passo devagar e afogueado, pegou a almofada, retornou aflita para a janela abrindo-a quase por completo para caber seu corpo grande, colocou-a no parapeito e se debruçou.

Estava num apartamento do quinto andar, de onde se avistava o condomínio embaixo, outros prédios, casas ao lado e a paisagem ao longe. O reflexo do sol encheu-lhe o rosto esmaecido, ela piscou várias vezes e divisou o coqueiral carregado de frutos, passarinhos voando para lá e para cá pelas três maravilhosas mangueiras florescendo, nas palmeiras, na enorme cajaraneira e demais árvores de pequeno e grande portes que tornavam acolhedor e saudável o ambiente onde morava, depois levantou os olhos à procura de pessoas em derredor para possível fofoca e entregou-se aos pensamentos. No universo de sua mente atulhada de lembranças boas e más sentia-se a um só tempo feliz e triste, jovem e envelhecida, amada e odiada, sorrindo e chorando, doce e amarga. Verdadeiro turbilhão de emoções idas e vívidas.

Todos os dias aquela velhinha espaçosa tomava o sol da manhã debruçada na janela sobre a almofada vermelha. feito um velho quadro ostentando o passado e o presente. Sem mais perspectivas de nenhum futuro. Ela balançava a cabeça para um lado e para o outro, esfregava os olhos, fuçava com o olhar as calçadas, a entrada, portas e janelas das casas e apartamentos em seu perímetro de visão, brigava com as aves gesticulando ameaçadora, espantava uma ou outra vespa que tentasse se aproximar dela, ficava inquieta com a lentidão da passagem do tempo, a brisa assanhando-lhe os cabelos brancos como algodão, o céu limpo de nuvens, azul em plenitude, demorava uns dez minutos ali naquele cantinho, sozinha, esquecida, rabugenta, sentindo dores nas juntas, nos joelhos, nas costas e por todo o corpo enfim. Então, a seguir após alguns minutos, nem ela sabia por que, lágrimas descendo pelo rosto, levantava da posição em que se encontrava, arrastava a almofada de cor berrante, fechava a janela, repunha a cortina e desaparecia. Nos dias seguintes, enquanto viva esteve, cumpria fielmente essa rotina. Cansada não da vida, mas dos vivos.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 10/12/2022
Reeditado em 10/12/2022
Código do texto: T7668755
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