O QUADRO NA SALA DE JANTAR
A panela de sopa fumegando sobre a mesa geralmente animava bastante José, sempre o primeiro a se servir na hora do jantar. A esposa, sentada em recatada posição, aguardava sua vez em pomposo silêncio. Seu olhar pousava diretamente e todas as noites no aviso escrito em letras garrafais e pregado na parede da sala. Ela odiava aquilo, mas lia e relia inúmeras vezes a retrógrada frase, que lhe fervia o sangue no coração e acendia brasas na sua alma: " NESTA CASA MANDA ELA, NELA MANDO EU! "
Antes de encher o prato com a sopa quente a seu gosto, José lançou um olhar risonho à mulher com quem casara há mais de vinte anos. Nunca tiveram filhos nem foram consultar especialistas para saber o motivo da infertilidade do casal. Era ele ou ela quem não tinha condições de gerar? Na verdade, ambos não sabiam, mas ele, orgulhoso de sua virilidade, jogava a culpa na esposa, dizendo-se estéril. Como fazia nesses anos todos de difícil convivência, onde não mais existia amor, se é que algum dia houve, a pobre mulher aceitava a culpa calada. O problema é que acumular ressentimento tem semelhança com a barragem impedindo a passagem da água, cujo acúmulo diário ocasionará, qualquer dia e de repente, o seu estouro ante a forte pressão do líquido impedido de avançar.
Naquela noite da sopa,mais que nunca, a barragem das emoções e sentimentos amontoados estava prestes a desabar com toda força e estrondo. E o aviso no quadro da parede, ah esse texto odiento! Viu quando o marido encheu o prato sem nenhuma novidade, por sorte do desgraçado o bichinho, sim o horripilante rato, não veio junto. Mas ele estava lá. Morto por envenenamento. A sopa de rato envenenado faria o seu papel em cena. Aliás, o papel principal. O rato era apenas um detalhe a mais.