A ARMA NA PRÓPRIA CABEÇA

Aquela inesperada ideia tomou conta de sua mente por dias, e cada vez mais ele compreendeu que poderia dar certo sim, bastaria apenas usar os termos certos, ser claro no contexto, mostrar cristalinidade em seu verdadeiro propósito. Todo cuidado e muito tato nas palavras escolhidas ainda seria pouco, para não assustar ninguém nem expressar possibilidades incompatíveis com o objetivo pretendido.

Porque ao ler o texto, caso não estivesse nos parâmetros ideais ou não fosse bem explícito, certamente alguém ou muita gente, em especial as pessoas às quais seria dirigido, imagina o temor que despertaria, talvez até mesmo o denunciassem à polícia. E era tão simples a essência do seu anseio, algo relativamente banal, do cotidiano indubitavelmente, nada além do que todo mundo já tem e consegue no dia a dia. Mas para ele, a simplicidade da normalidade se tornara, com o tempo, de difícil acesso, quase impossível, causando sério impacto em sua sanidade mental. Isso, por óbvio, o fazia entregar-se a profunda introspecção, a nadar nas águas turbulentas do silêncio. A sofrer corroído pelo estresse.

Daria certo o seu plano e alcançaria o alvo almejado? Perguntou-se, um tanto preocupado e, também, meio temeroso. Mas como saber se não desse o primeiro passo? Talvez nunca antes algo assim jamais tivesse passado na cabeça de homem nenhum, decerto eles preferiam vislumbrar o tempo se indo, as lágrimas caindo, a amargura diluindo suas forças, minguando seus dias até finalmente tudo acabar. Sim, é provável que algo assim, dilema de tamanha magnitude, agora mesmo, esteja acontecendo com alguns. Que não anteveem saída. Então, ele próprio tentaria abrir caminho através do ineditismo de tal feito, e, em logrando tudo como planejado, conseguiria sorrir novamente.

A partir desse raciocínio, por conseguinte, trajetória idealizada, tranquilo em seu propósito, ele escreveu no Facebook, Instagram e twitter: " Sou um idoso de setenta e dois anos e moro sozinho, não tenho ninguém da minha família que se importe comigo. Os poucos amigos se afastaram por motivo de doença, morte ou outras razões que desconheço. Às vezes, vivo semanas sem ter com quem conversar, presa absoluta da solidão, e no mais das vezes, visando compensar a falta de companhia, procuro ouvir música, assisto à TV, saio por aí pelas ruas, vou aos supermercados, às galerias, aos shoppins, confiando na esperança de deparar com algum conhecido, mas infelizmente ninguém mais sabe quem eu sou, pois minha geração está indo embora e restam poucos de nós, as ruas e os shoppings estão cheios de jovens alagres e sorridentes que nem notam minha presença. Sou um velho sem importância aos olhos dos poucos que perpassam rapidamente o olhar em mim. Percebo isso. Tem vezes que entro numa loja somente para ser atendido e puxar conversa, nem quero comprar nada, busco ter ao menos um ou dois minutos da atenção e da voz de outro ser humano. Contudo, isso não me basta, necessito de companhia, de bater papos bobos, de dialogar trivialidades. Em suma, de falar e ouvir. Por isso, por favor não me levem a mal nem pensem existir qualquer outra intenção de minha parte exposta a seguir, a não ser interagir com gente, com meus semelhantes: pago cinquenta reais a hora para quem se dispuser em vir a minha casa ou ir comigo a uma cafeteria apenas para me fazer companhia e conversar comigo. Por favor, pelo amor de Deus, alguém responda a este anúncio."

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 02/11/2022
Reeditado em 03/11/2022
Código do texto: T7641418
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2022. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.