Acerto de Contas - BVIW
Passou pela faxineira sobraçando as sacolas de supermercado, e cumprimentou-a com um sorriso. Ela retribuiu e informou que havia uma carta na caixa de correspondência. Nunca olhava a caixa de correspondência. Eram só panfletos de propaganda que a faxineira acabava por jogar no lixo. Mas o anacronismo do acontecimento despertou sua curiosidade. Deteve-se no hall para pegar a carta. Um envelope amarelado, subscritado por uma linda letra e apenas as iniciais F.P. Subiu ao apartamento e leu a pequena mensagem: "Você esqueceu, mas eu não." Não deu importância àquele arremedo de ameaça sem cabimento. No entanto, a partir dali, passou a receber todos os dias, religiosamente, misteriosas palavras curtas no invariável envelope amarelado, com a assinatura F.P. "Precisamos acertar as contas". "Seu prazo está terminando". "Aqui se faz, aqui se paga". Até que por fim recebeu aquele que dizia "Amanhã, depois da última das doze badaladas". Foi impossível fazer o quer que fosse naquele dia, passado num tormento insano tentando explicar o inexplicável. A noite encontrou seu corpo tenso, à beira do sofá. Trancou portas e janelas. Cerrou as cortinas. E a primeira badalada da meia-noite soou no velho relógio. Um suor frio começa a descer pela espinha. O coração acelera a cada novo toque. O décimo segundo ressoa. E eis que a porta da sala se abre num ranger monótono e vagaroso. O vulto negro aproxima-se. Foi a última coisa que viu, antes de mergulhar na escuridão.