O VELHO NA JANELA
Os vizinhos haviam se acostumado a ver aquele velhinho sizudo na solidão retangular da janela, não davam nenhuma importância aos seus olhares, à talvez vigilância diária, sua circunspecção e imobilidade quase pétrea. Não, ele não merecia nem mesmo uma segunda olhada, era apenas o velhinho inofensivo da janela.
Dia após dia, assim, sob a displicência da vizinhança, lá estava ele em seu posto, atento, olhares fixos nisso ou naquilo, imóvel na sua quietude isolada pelo vidro da janela, somente olhando, perdido certamente em divagações inerentes aos idosos que o tempo afasta dos filhos, dos netos e dos familiares em geral. Provavelmente ele se distraía passando os dias ociosos vendo a vida passar, alguns diziam, debochando dele, que esperava a morte chegar.
Mas ninguém fazia a menor ideia do borbulhar das emoções, dos pensamentos, temores, sonhos ou pesadelos tumultuando o coração e a alma daquele velhinho esquecido pela vida e lembrado a todo instante pelo fim a que estamos todos sujeitos. Embriagava-se no furacão do saudosismo, chorava por dentro o distanciamento das pessoas, afagava-se nas lembranças lindas, ressentia-se de tudo e de todos? Quem poderia saber?
O velhinho na janela tomou do apetrecho, verificou cada detalhe essencial ao pretendido, deitou os olhos nos passantes nas proximidades de onde ele se encontrava, abriu uma pequena mas suficiente brecha, colocou o artefato no parapeito e, sentado mesmo, sem escolher pois inexistia razão para esse pormenor, todos mereciam e mostravam-se em sua mira, colocou o dedo indicador no gatilho do rifle de caça e começou a atirar.