O MENINO DA CASA 55
Enquanto a garotada da rua brincava, se divertia à larga, jogando bola, aprendendo coisas boas e ruins fora de casa, o menino da casa 55 abria livros, revista, almanaques, tudo que contivesse textos, e lia. Nessa para ele prazerosa atividade esquecia o tempo, alimentava-se de conhecimentos, nutria a alma de sabedoria e, se bem não fosse entendido, também se divertia e sonhava.
Os pais mandavam-no brincar, advertiam-no sobre a possibilidade de tanta leitura torná-lo enlouquecido, os irmãos já o tinham por maluco e assim o chamavam, ninguém aceitava sua dedicação quase religiosa aos livros. Mas ele apenas sorria, obedecia aos pais por instante e logo voltava aos muitos amigos literários, livros e mais livros, a mancheia. Comprados ou emprestados de amigos, vizinhos e bibliotecas. Era seu mundo, impossível mudar isso.
Até que, certo dia, cansados de vê-lo enfiado na maluquice de ler demais, impacientes por nada persuadi-lo de ao menos diminuir, senão deixar de vez a relutância em não parar de ler, os pais do menino que lia, aproveitando o breve momento em que ele se ausentou por alguma razão, empolgaram todos os compendios, volumes e mais volumes, jogaram álcool e tocaram fogo nos vários frutos do conhecimento pertencentes ou não ao menino da casa 55. Ele, ao voltar e avistar a desgraça impensada dos próprios familiares, gritou desesperado e se jogou na pira fumegante.