NO ESCURO

Sonia se sentia e se achava velha, numa geração em que a mocidade parece envelhecer tão rapidamente até mesmo por desejar avidamente essa premissa. Todos namoravam mais cedo que o normal e conheciam a intimidade do sexo como se a simples mudança dos tempos os autorizasse sem qualquer restrição. Porém isso não valia para ela porque nunca fora de seu feitio entrar nesse ciclo.

Ela por si mesma não poderia, nunca se deu a esses impulsos. Era bastante tímida, demais da conta, para tanto, além do quê suas convicções morais e religiosas não lhe permitiam, freavam seus passos, tolhiam os anseios acaso brotando. Poder-se-ia afirmar que Sônia se assemelhava a uma beata convicta. E no entanto, ser humano que era, rondavam-lhe desejos, sonhos inconfessáveis e anelos indizíveis.

Numa noite, que somente foi levado ao conhecimento deste escritor diletante em virtude do diário dela que me chegou anonimamente às mãos, na escuridão a que se habituara a dormir, ainda no transe da sonolência iminente ao sono profundo, braços fortes e decididos a envolveram, ela despertou e se contorceu tentando desvencilhar-se, mas em vão porque o abraço só se intensificou, sentiu uma forte respiração sobre seu rosto e, de inopino e repentinamente, foi beijada de forma ardente e demorada. Sonia desabou de sua beatitude e correspondeu ao beijo, cuja intensidade ela não soube medir. Então tudo acabou, o abraço arrefeceu, o peso sobre ela enfraqueceu, um súbito silêncio se abateu. Ela tateou, procurou ainda no escuro, acendeu a luz. Não havia ninguém mais além dela.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 11/10/2022
Reeditado em 11/10/2022
Código do texto: T7625349
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