O BEIJA-FLOR CEGO
No começo foi muito difícil, quase impossível, sobreviver. Enquanto o irmão sem a deficiência visual avistava o bico alimentador da mãe trazendo comida e aproveitava para comer o máximo possível, o pobre filhote sem luz tateava no escuro buscando seu quinhão. Mas não era fácil, seu irmão aproveitava a condição de olhos perfeitos para usurpar a fatia dele.
No entanto, por instinto materno, a mãe percebeu o problema e, cheia de amor, alimentava-o da mesma forma que ao outro. Assim, ambos cresceram fortes e saudáveis até o tempo em que cada um deveria seguir o próprio caminho da independência. O saudável buscou seus horizontes, o com deficiência visual hesitou por instantes, sentiu a direção do vento e voou.
Não seria tranquilo para ele, mas havia algo em seu ser que o guiava mesmo longe da luz, das cores, dos movimentos, do tudo: o cheiro das flores onde que que estivessem. Ante a falta da claridade, realçou-se nele os sentidos do olfato e só som, de maneira que, ainda que misteriosamente, as flores o guiavam e a vibração dos jardins o direcionavam.