UM ABRAÇO DESESPERADO
A criança maltrapilha corria desesperada em meio às pessoas e aos carros, entristecida, faminta, apavorada, abandonada, desprezada, perdida num mar de revolta amargura. Chorava e soluçava num pranto alarmante, ao mesmo tempo ressentido e sereno, explosivo e brando, sem rumo, arrasada, em busca de algo perdido. Porventura buscava o amor, a ternura, o sorriso, o carinho, a atenção, os cuidados, o aconchego de uma palavra de conforto?
Provavelmente tudo isso junto e algo mais, a interação com seus semelhantes, uma pausa da indiferença, aquele apoio esperançoso e reconfortante capaz de abafar qualquer dor, o afago que jamais tivera antes, a paz interior que lhe fora negada desse os primeiros anos de abandono à porta de alguém desconhecido que não se compadeceu dela, que não a abrigou nem alimentou, não a abençoou nem agradou, nunca lhe apresentou à alegria.
Corria, e era desabalada e enlouquecida a carreira, sem destino, por qualquer rota ou vereda, nessa ou naquela rua, sem medo mas num atoleiro de lágrimas, tentando ao menos o imponderável, o translúcido, o utópico. No entanto, se esses objetivos não fossem alcançados, se desaparecessem as soluções, um abraço lhe bastaria, apenas isso, ainda que fosse um abraço desesperado. Quem lho daria?