O PONTO DE RUPTURA
Não chorou nem gritou seu protesto, foi acumulando gradativamente no peito e na alma todos os sentimentos ruins e amarguras intoleráveis, como a forte represa suporta a força e o poder impetuoso das águas até que chega o momento em que é tamanho o peso ela se rompe num turbilhão de milhões de litros dágua extravasando ódio e insanidade por ter sido retida quando só ansiava seguir seu curso para o mar.
Nele também foi assim, paulatino, grau sobre grau, a pouco e pouco, pé ante pé, mas de modo cumulativo e silencioso. As mágoas, a solidão, o abandono, a indiferença alheia, tudo se acomodava nos reconditos de seu íntimo, à guisa de parede sendo erguida tijolo sobre tijolo, deixando-se abundar onde não havia nenhum ponto de escape, nenhuma brecha para a diminuir a pressão e aliviar o incômodo. Não, sem desabafo morre a saída, desaparece o conforto, a mente é estrangulada.
Por consequência, vem a inevitável explosão de emoções, debalde se mostra tudo, brota o ponto de ruptura. Ou brada, desmorona, mata ou morre. Nele ocorreu a última opção. Porque se alarmasse sua dor, se extravasasse o próprio tormento, se esmurrasse o vento e se dobrasse as esquinas da neurose talvez acabasse ferindo ou mesmo matando alguém. Ou alguns. Preferiu, portanto, se mal pensasse em fazer, a si mesmo fazê-lo, dar-se um fim ao invés de finalizar a jornada de quem quer que fosse. Seu ponto de ruptura, destarte, o levou a atirar nos próprios tímpanos. Matou-se para não matar outrem.