A Dama de Ouros - Parte 1 - O Curinga do Baralho

Aqueles olhos dourados aguardavam pacientemente por sua presa. Donos de um brilho imbatível, ressoavam entre os cantos da silenciosa escuridão do estacionamento de um restaurante de alta classe em seu horário de fechamento. O refino visto a cada corte nos finos pratos do “Diamante Negro” seria apenas a entrada para o prato principal da noite. Saindo da sombra, em um único passo e um único movimento, o corte mais fino era dado na jugular do Sr. Goldsmith. Não se ouviu nem um único barulho. O choque viria minutos depois: após notar a demora de seu marido, Sra. Goldsmith vê uma poça de sangue dois metros atrás do carro onde jazia um corpo sem vida que daria início ao mais famoso mistério da cidade de Lagoa Dourada.

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“Que pena... seu último suspiro foi inspirando fumaça de cigarro, que maneira ruim de morrer.” Pensou William, um jovem adulto de cabelos pretos desarrumados e de roupas casuais para a estação do frio.

— Volte a filmagem, não quero ver ele fumando. E não dá pra ver nada do assassino nessa escuridão. Quero ver se podemos tirar alguma característica além dos olhos dourados no início.

“O assassino sabotou as luzes do estacionamento de algum modo”. Era o que se pensava. Mas o disjuntor continuava intacto e fechado a cadeado. Apenas alguém com a chave poderia ter acesso.

“A suspeita óbvia seria um dos funcionários”.

— Ruben, salve essas filmagens e envie para a 4ª D.P.I. - Disse Willian, já pensando no desenrolar da investigação.

— Sim, senhor! – Responde o jovem Ruben, recém-chegado à divisão de Investigação da Polícia de Lagoa Dourada.

Na cena do crime, um objeto intrigava os investigadores. Uma carta de baralho atravessando em um ângulo reto outra carta. Elas foram encontradas em cima do corpo, em pé, formando um “X”. Um rei de ouros cortado por um curinga. Foi recolhido como evidência, é claro.

William percebe um início de confusão se formando nas vizinhanças do ocorrido. Dois policiais tentavam conter uma mulher, que gritava e esperneava. Barulhos esses vindos de alguém que ele, feliz ou infelizmente, já conhecia.

— Nora! Pare já com isso! Você não terá acesso à cena do crime, já fiz muita vista grossa em outros casos. – Disse, em tom bravo.

— William, por favor!!! É meu pai ali, sabia? Você não tem coração? – Dizia a jovem, de pele branca e cabelos pretos, coberta de cachecol, roupas de frio e óculos escuros.

Ele a puxa para um canto antes de continuar, ainda em tom irritado.

— Você já me disse que não se importava nem mesmo se seu pai morresse, o importante era “a informação”. Me deixe ver em sua bolsa se não tem seu material de trabalho.

— Isso é abuso de autoridade, Oficial William Lopez!!! – Retruca Nora, gritando e gesticulando para chamar atenção.

Ele sabe como lidar com a criatura a sua frente, conhece-a desde a infância. Enfrentá-la é pedir por problemas, portanto, respira profundamente e tenta usar a razão.

— É o seguinte: não posso te deixar vazar informações desse caso, não agora. Você sabe melhor do que ninguém o tamanho que tem seu pai, o ex-prefeito, em todas as esferas cidade. Estamos nos estágios iniciais da investigação, mal temos suspeitos até agora. – Diz em tom calmo.

Nora tira seus óculos e mostra seus belos olhos verdes, com os quais encara o castanho dos olhos de William e com toda a sinceridade que cabe no momento, responde.

— Will, eu só quero ter uma última visão do meu pai.

— Não acho que você iria querer vê-lo nesse estado.

— Não irei ao enterro dele. Não suportaria ver todas as outras pessoas da família e os agregados que eu odeio. Não quero que a última imagem que tenho dele seja acompanhada de lágrimas de crocodilo de tanta gente. Por favor! Não vou tocar em nada, só quero ver. – Quase se pode ver uma lágrima se formando, algo que até assusta o rapaz.

Desde os tempos de escola, William sempre cedeu para o olhar pedante de Nora. Não seria diferente agora. Ele a acompanha até onde estava o corpo. A perícia já terminara seus procedimentos de recolhimento de provas naquele momento, o corpo seria retirado em instantes. O investigador da 4ª Divisão mostra seu distintivo e pede que se abra espaço, trazendo consigo a mulher curiosa. Antes de expor a face branca pela perda de sangue e morte celular, ele olha para Nora como se quisesse uma confirmação.

“Tem certeza?”

Ela responde assertivamente movimentando a cabeça. Ela estava determinada. Quando Will abre o zíper do saco preto e mostra a face de John Goldsmith, Nora sente um aperto em seu coração. Por fim, uma lágrima escorre por seu rosto, acompanhada de um sorriso desenxabido que claramente simbolizava tristeza.

— Obrigado, Will. Significa muito pra mim. Não sei como posso agradecer.

— Vamos começar saindo de cena, pois nem deveríamos estar aqui.

Desde sempre ela lutou por seus direitos. Fugiu de casa cedo, pois lá não era respeitada. Frequentou o mesmo colégio público que o de William, sem muitas regalias. Seu pai contornou a situação à época, dando uma compensação financeira à Nora e sua mãe, para que de algum modo isso não afetasse sua imagem pública. A necessidade de ser forte tornou Nora uma lutadora em sua vida. Não à toa, também a tornou uma excelente jornalista.

“Ela sempre foi forte. Até neste momento consegue ser” - Pensa William, que estava à paisana, apenas passando pela cena enquanto ia ao trabalho que acabou vindo até ele.

Nora, no entanto, não estava à paisana. Não era apenas uma excelente jornalista, era também uma excelente mentirosa, como William bem sabia. Ele já foi e ainda seria muito enganado por Eleonora Goldsmith, ou pelo pseudônimo que assina suas manchetes, Nora Adamantine. E ela já preparava a próxima notícia, em primeira mão.

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URGENTE:

MISTÉRIO DE OURO E SANGUE!

EX-PREFEITO É ASSASSINADO EM CRIME ENIGMÁTICO!

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Na tarde daquele sábado, em uma sala no Departamento Central de Polícia de Lagoa Dourada, William recebe o escaldo de seu superior, Capitão Douglas Phillips.

— Investigador Lopes, você deixou uma jornalista ter acesso privilegiado à cena do crime. A maioria dos familiares descobriram primeiro por aquela manchete sensacionalista. Não há como te proteger! Depois dessa, vou te tirar da investigação e vou suspender seu trabalho de campo por um mês.

“Nunca mais vou acreditar nela. Nunca.”

De algum modo, ela tirou fotos das evidências, conseguiu relatos dos empregados do estabelecimento mesmo antes de nós os interrogarmos. Ela é boa no que faz. Infelizmente isso não é bom para William, mas fazer o quê? De toda forma, deve ter havido algum vazamento que não foi dele. Ele tinha preocupações maiores nesse momento. O próprio epítome da preocupação o esperava do lado de fora da delegacia. Nora aguardava, sentada no banco frente à saída. Gostaria de pedir desculpas pelo incidente. William não queria desculpas, queria seu prestígio com o chefe de volta. Ainda assim, foi atrás. Diferente de um gato escaldado que tem medo de água fria, ele não cria aversão à sua “velha amiga”.

— Tomar um café no Donny’s, que tal? Eu pago! Pra relembrar os velhos tempos... Te dou carona. – Disse Nora, seguido de um sorriso encantador. Nem parece a mesma que enganou o rapaz há menos de 12 horas.

William já estava liberado pelo resto do dia, afinal. Aceitou. Queria conversar sobre o caso com alguém, de todo modo. Nada melhor do que alguém que sabia tanto quanto ele (ou até mais).

Já na cafeteria, os dois estão em seu clima de paz, habitual. Will tentou a sorte e perguntou se ela tinha alguma fonte na polícia.

— Você bem sabe que eu não revelo minhas fontes. Mas você é uma delas, por que pergunta?

— Vá pro inferno, então! Você me custou muito hoje.

— Estou compensando pagando esse café.

Após um sorriso irônico e mais uma troca de farpas, Nora se questiona qual a identidade do assassino.

— Talvez seja alguém do próprio restaurante, apenas eles teriam acesso ao disjuntor. Mas o problema é: por quê? Seu pai sempre foi um prefeito e um cidadão benevolente, era amigo inclusive do dono do Diamante Negro. – Responde William.

— É o que parece óbvio, mas seria tão fácil assim? Não acha que isso seria conveniente para um assassino enigmático?

— Qual a sua ideia, então? – Descansa em sua cadeira, William.

— Vamos pensar... era alguém com a intenção de matar uma das pessoas mais influentes da cidade. Certamente teria algo contra o ex-prefeito. Quem ele pode ter prejudicado durante todo esse tempo? – Questiona Nora, com uma mão no queixo, como se fingisse pensar.

— Você é a jornalista aqui e te conhecendo, tem até mais informações eu.

Nora sorri com confiança.

— Tenho... – Ela então se inclina na direção de Will, olha em seus olhos e continua – Acho que é um de seus superiores, mas vou precisar de ajuda... Vamos investigar juntos esse caso?

“O Capitão Phillips sempre esteve em maus termos com o ex-prefeito”. Wiliam fica pensativo. Aproveitando esse momento pensativo, decide questionar Nora. O rapaz sempre teve dificuldades para lidar com ela. O jeito que ela age sempre o confundiu e o tirou de si em muitas oportunidades. Ainda assim, ele acabara de ser enganado. Estava, acima de tudo, frustrado com o que houve mais cedo naquele dia. Ele iria contra um de seus superiores por conta de Nora? Olhando para baixo, longe dos olhos que ele não podia dizer não, respondeu.

— Nora... Por que você mentiu, de novo, pra mim? Pareceu tão real naquele momento. Como você pode fazer isso e me encarar de novo, de cara lavada? Isso me machuca, sabia?

Nora se recolhe em sua cadeira, finalmente se mostrando desconfortável, com vergonha.

— Você tá falando de hoje ou de sete anos atrás? Foi real Will, tudo real. O que eu falei, o que eu senti. Sobre meu pai, eu realmente precisava ver ele... eu não sabia se estava triste porque morreu o homem que abandonou eu e minha mãe com uma pensão mixuruca e um apê no subúrbio da cidade. Eu precisava confirmar esse sentimento. Pensei que naquele momento estava triste por tudo que ele me fez passar, mas ainda assim era meu pai, sabe? Tenho algumas memórias com ele antes do abandono... – Após alguns segundos de silêncio, com os dois reflexivos, ela volta a falar. – Você pode me ajudar? Preciso de você.

William comete o erro de olhar nos olhos de Nora. Não eram mais olhos de sedução, mas de alguém por ajuda. Falar “não” nessa situação seria impensável. Jogando palavras ao vento, apenas pensou em voz alta:

— Nora, eu... eu te odeio... Não vou trabalhar com você e não vou me complicar mais. Foi você quem trouxe esse assunto de sete anos... Eu nem queria mais saber de você, finalmente te superei e não quero mais que você me atrapalhe. – Diz Will, com um olhar compenetrado, finalmente.

O sorriso que Nora expõe, sua segunda arma mais forte contra William, agora tinha sabor amargo. Os olhos esbugalhados e as sobrancelhas para cima completavam a face de espanto. O café que eles estavam tomando não desceria bem para a jovem repórter do Diário da Lagoa.

— Não esperava isso. Tudo bem, desculpa por... tudo. – Diz Nora, como uma criança que viu que fez algo que não devia ter feito.

— E eu esperava que você tivesse mudado no tempo que estudou fora, mas continua a mesma dissimulada de sempre. – Conclui Will, com a xícara na mão, focado em não olhar para a cara de Nora. Ele não queria dizer isso, mas foi no impulso.

O pão de queijo que eles haviam pedido esfriou nos minutos seguintes, já que ambos perderam o apetite.

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Durante a próxima semana, William cumpriria o castigo que lhe foi passado: organizar até a perfeição o “armazém dos detetives” da 4ª D.I., a Divisão de Investigação da Polícia de Lagoa Dourada. Relatórios e mais relatórios que estavam zoneados pelo armazém. Investigações de anos atrás. É claro que o curioso Will iria passar o olho por cada documento, ainda que isso agravasse o tempo do castigo.

Um caso em particular chamaria sua atenção. Não pelo seu conteúdo, mas pela ausência dele.

“Desvio de dinheiro público durante o mandato do prefeito John B. Goldsmith.”

Pelo pouco que lembra da época, há cerca de 12 anos, um influente jornalista denunciava um esquema de corrupção que envolvia o “Bondoso Prefeito”. Nada foi comprovado na investigação e o jornalista caiu no ostracismo.

“Não há nada nessa ficha... esquisito..., algum de meus superiores, talvez?”

As palavras de Nora voltam a ressoar em sua cabeça.

Algumas páginas haviam sido arrancadas, restava apenas a capa com o nome do caso e algumas informações. Entre elas, o nome de três empresas se ressaltava, Goldies (joalheria da família Goldsmith), Santín Grand Casino, que viria a trocar de donos pouco tempo após acusações e a TV Spades, conglomerado de notícias e entretenimento televisivo de grande nome no país.

“Qual seria o envolvimento desses três nesse esquema?”

Apenas um pensamento passageiro de William, que ao final dessa semana poderia relaxar um pouco com sua merecida folga...

URGENTE!

O ASSASSINO MISTERIOSO ATACA NOVAMENTE E DEIXA NOVO ENIGMA EM CARTAS DE BARALHO!!

Como no primeiro crime, uma carta atravessada em outra equilibradas em pé como em um “X”. A vítima da vez: Vicentin Dembelé, sócio majoritário do “Resort Corações de Diamante”, maior cassino da cidade, outrora conhecido como “Santín Grand Cassino”. Esse nome ressoou nos ouvidos de William. Em seguida, mostraram as cartas atravessadas: um rei de copas perfurado por um valete de copas. Dessa vez não foi um corte na garganta, a perícia indicava envenenamento.

— Ele vai atacar de novo! – Gritou, falando sozinho.

— O quê? – Gritou uma mulher, que viria da cozinha até a sala para ver se o assunto era com ela.

— É Deborah. De olhos castanhos, da mesma cor de seu cabelo crespo, com a pele bronzeada de seu trabalho nas ruas, a companheira de William parece cansada.

— Ah! Sobre o assassino? O pessoal da patrulha tá ficando maluco com isso, tem gente curiosa por todo canto. Não duvido nada que alguns até tentem copiar esse assassino e comecem a deixar “bilhetinhos” de seus crimes. – Disse Deborah, com olhar de preocupação. – Como que tá na 4ª D.I.? Deve ter um monte de gente trabalhando no caso, né?

— Tirando eu, tá todo mundo pra resolver isso, mas até agora nenhum suspeito saltou aos olhos. Vai esquentar com esse novo assassinato.

— E você não vai se mexer? E se estiverem precisando de você agora? – Confronta, Deborah.

Após ouvir as palavras de motivação e pensar alguns segundos, William decide ir ao local do crime.

“Claro que ela estaria aqui” – Pensa Will, quando vê Nora se esgueirando pelas barreiras policiais para conseguir seus furos de reportagem.

— Parada aí! Não pode entrar em mais uma cena de crime, sabia? – Diz William, após se aproximar o suficiente para não chamar a atenção de mais ninguém.

— Que susto!!! É só você... – Diz Nora, como se não estivesse falando com um oficial de polícia.

— Você vai ter problemas se atrapalhar um caso dessa magnitude. – Responde William, como se não tivesse sido ofendido.

— Tem razão, eu não teria tantos problemas se eu tivesse um colega na Polícia... – Nora continua andando com cuidado, em direção a uma porta de funcionários do cassino, longe da entrada principal. William a deixa, não quer mais se envolver.

O quarto onde ocorreu o crime estava cercado de oficiais. O Resort/Cassino era gigantesco e o incidente ocorreu nas suítes principais do hotel. Nora nem poderia se aproximar, mas não era essa sua intenção. Ela queria colher informações daqueles que estavam presentes na hora do incidente, os funcionários. Com seu charme, sempre conseguia.

E conseguiu.

— Não sei se era homem ou mulher. Alguns minutos antes, as luzes naquele corredor e nos quartos foram cortadas. Foi questão de segundos. As trancas eletrônicas falharam e ficaram abertas, o assassino deve ter entrado nesse momento. A mulher que acompanhava o Sr. Vicentín ficou ilesa, mas horrorizada, disse que ele apenas convulsionou em cima da cama. Não temos câmeras nos quartos, não temos como saber o que aconteceu. Não sei nada além disso, senhorita. Ainda estou abalado com tudo. – Disse o gerente da seção de hotelaria do cassino enquanto Nora escutava atentamente.

William ouviu de longe, de dentro do cassino, em uma área próxima à dos funcionários. Já havia pensado em vários cenários para o primeiro assassinato e queria encontrar padrões que ligassem os dois crimes.

“Além das cartas atravessadas em X e a queda de energia naquele local específico, a ligação entre os casos pode estar no histórico das vítimas.”

Capitão Phillips estava chegando ao local e William queria mostrar comprometimento. Primeiro, se afastou de Nora para não levantar suspeitas. Em seguida, foi em direção ao Capitão da 4ª D.P.I. e contou sua teoria.

— Você diz que há alguma relação com o caso de desvio de dinheiro de 12 anos atrás? Aquele que já foi provado que não houve? Você quer manchar a imagem de grandes pessoas desta cidade que nem estão aqui para se defender? E quem disse que foi o mesmo assassino? Pode ter apenas se inspirado no primeiro maluco. Não procure pelo em ovo, Sargento, se atenha aos fatos. Aliás, você estava afastado desta investigação, lembra? Por que está aqui? Está ajudando a reporterzinha mequetrefe novamente? – Diz o Capitão, com uma expressão de raiva que não era usual.

— Perdão, senhor. Não vim aqui confrontar suas ordens, vim dizer o que penso que vai contribuir para evitar novos assassinatos. Não estou acompanhado da repórter. – Calmamente, responde William.

— Volte para a função que deleguei até segunda ordem. Não quero te ver nem pintado com o ouro dos Goldsmith!

Will não podia esconder a frustração. Fato é que ainda era cedo para apontar uma conexão entre as vítimas. No mês seguinte, não haveria movimentações do assassino, que viria a ser chamado de Curinga pelo imaginário popular. A polícia acreditava que eram duas pessoas diferentes.

Seguindo a dica das cartas da maneira mais óbvia possível, prenderam um camareiro do Resort, suspeito de envenenar com cianeto o champagne de Vicentín. De fato, ele havia entregado a garrafa no quarto pouco tempo antes da vítima e sua acompanhante entrarem, assim como arrumou a cama. Apenas preenchendo documentos como parte de seu castigo, William sentia que algo estava faltando no caso, não pelo camareiro estar chorando por sua liberdade, clamando inocência como qualquer outro faria nessa situação, mas pela falta de detalhes da investigação. Tinha a impressão de que havia certa má vontade de investigar a fundo cada caso e uma pressa para culpabilizar alguém, mesmo sem provas. Por pressão popular, talvez, mas eram as palavras de Nora naquele café que o atingiam...

“E se for alguém da Polícia? Alguém que teve acesso aos documentos sobre o desvio de dinheiro. Sei que o Capitão Phillips era um desafeto do ex-prefeito, mas sempre se trataram com respeito.”

Na TV, um comício era transmitido. Norman B. Goldsmith, filho mais velho de John, se lançava para concorrer à prefeitura de Lagoa Dourada. Pouco antes, pediu-se reforço policial para manter a segurança no local, principalmente para evitar qualquer possível ataque do “Curinga”. De plantão e sem função naquele momento, William foi convocado. No local, uma multidão aguardava as palavras do novo e já favorito candidato. Veículos de imprensa estavam a postos, mas Will notou algo de estranho. Nora estava em um canto isolado da multidão, não estava a trabalho. Naquele instante, ignorou.

— Não quero ver você perto daquela mulher de novo, ouviu? – Bradou a Delegada Deborah, que estava ao seu lado trabalhando na patrulha da multidão.

William apenas consentiu com a cabeça.

Assim que se iniciou o comício e o trabalho chamou, cada um foi para um canto. Deborah foi para perto do palanque, enquanto Will foi para trás da multidão. Um pouco mais perto de Nora, pôde ver brilho em seus olhos. Não o brilho usual, pois em seu rosto corriam lágrimas. Sua cabeça baixa denunciava sua tristeza e faziam da cena uma isca e anzol para o investigador. Não resistiu e foi perguntar.

— Meu irmão... veio me contar que o maior arrependimento de meu pai foi ter me abandonado... E agora Will? O que eu faço, acredito nele? Se a polícia não encontrar esse assassino, eu vou. – Disse, ainda com voz de choro. Diferente da confiança habitual, ela parece apenas prometer para si mesma.

Nora provavelmente não contaria isso para outra pessoa, afinal, William é um dos poucos que sabem que Norman é seu irmão, já que ela sempre manteve segredo sobre seu pai.

Enquanto tentava confortá-la, ambos recebem ligações, juntos. Ao atender, um choque.

Ele escutava:

— Investigador William, volte imediatamente para a 4ª DPI, o Capitão Phillips foi...

Enquanto ela escutava:

— Nora, é informação urgente, vá para a 4ª DPI, o Capitão Douglas Phillips foi...

Em sincronia, os dois se olharam com cara de surpresa e confusão.

— O assassino voltou! – Disseram, juntos logo após ouvirem as palavras “encontrado morto em sua sala.”

As cartas de baralho encontradas na cena eram intrigantes. Um dois de paus atravessando um 4 de paus. A cada nova informação, a cabeça de William ferve mais.

Antes de ir, William cede, determinado a encontrar esse “Curinga”.

— Quer uma carona até lá? – William pergunta a Nora.

— Já cansou de me odiar? – Responde Nora, que sorri com o canto da boca e acena positivamente, entrando na viatura.