O MISTÉRIO DO BODE VERDE
Completamente lelé da cuca, desvairado, pirado e maluco, mas Pereirinha tinha uma inteligência estranhamente aguçada e letal. A cidade contava quinze mil aparelhos telefônicos na época em que ainda não havia celular. Pereirinha sabia o número de todos eles, os nomes dos donos e respectivos endereços. Não errava um número quando lhe perguntavam.
Pereirinha, no entanto, além dessas características excêntricas, tinha outra ainda mais insólita: para onde ele ia levava consigo um bode verde. Sobre esse assunto, a razão de o bode ser verde, sua origem, por que o levava a qualquer lugar todos os dias, ele nunca respondia. Fechava as feições, olhar carrancudo e silenciava demonstrando possível ameaça a quantos perguntavam a esse respeito.
Conheciam-no na cidade como o homem do bode verde que sabia de cor cada número telefônico dos conterrâneos. Não incomodava ninguém, mas também não queria ser incomodado por qualquer outra coisa que não fosse alguém perguntando sobre o telefone de algum cidadão. Era o único momento em que sorria, respondendo com precisão sempre. O bode verde, companheiro inseparável, ao seu lado.
Certo dia, todavia, eis que Pereirinha apareceu pelas ruas do centro sem o bode verde, para espanto e surpresa de todos. Ao único cidadão que não teve medo de perguntar onde estava o bode verde ele respondeu, tristonho, lágrimas brotando dos olhos: "Os ets vieram ontem à noite e levaram o bode verde de volta." A partir desse dia, Pereirinha jamais lembrou dos números dos telefones das pessoas, esqueceu todos.