O DOIDO NO PRECIPÍCIO
O mendigo Joca morava debaixo de uma cajaraneira, com seus poucos molambos e artefatos miseráveis para uso quando necessário. Beirando os sessenta anos, procurava viver no anonimato dos desprezados, passava o dia mendigando e à noite se acomodava no chão mesmo sobre jornais e papelões velhos coletados nas lixeiras do comércio.
A cajaraneira ficava meio distante das residências do bairro, ninguém dava atenção a Joça nem ele mexia ou falava com qualquer pessoa. Queria apenas terminar sua pobre, triste e abandonada jornada enquanto esperava a morte.
Porém, tem coisas que mesmo ruins ainda podem piorar, principalmente para pessoas como Joca, um paupérrimo coitado. E o pior para ele aconteceu certa noite quando três moleques arruaceiros, chutando latas e jogando pedras nos vira-latas avistados, viram Joca dormindo debaixo da cajaraneira. Sentiram um frêmito de curiosa ansiedade maldosa. Foram até ele para se certificarem de que realmente dormia.
Confirmado isso, um deles, o mais endiabrado dos três, sacou do bolso um vidrinho contendo água sanitária, usado para jogar no focinho dos gatos. Sem pensar duas vezes, ante os risinhos excitados dos companheiros de ruindade, que notavam o dedo nos lábios pedindo silêncio, tirou a tampa do recipiente e, o coração afogueado pelo ato infernal prestes a praticar, derramou água sanitária nos olhos de Joca. Depois, o trio desabalou numa carreira louco de risadas e gargalhadas.
Joca acordou aos gritos de inusitada agonia, sentindo os olhos serem corroídos pelo produto venenoso, o rosto doendo como se estivesse cozinhando num caldeirão borbulhante. Esfregava os olhos mas não suportava as dores da atrocidade, pensou em correr para algum lugar onde tivesse água, no entanto não conseguia nem abrir os olhos, além do quê tudo escurecera, ficando apenas o negrume repentino.
Cegou instantâneamente, as mãos e o corpo se debatendo, batendo a cabeça no tronco da árvore frutífera, moído de dores atrozes. Mesmo cego e tomado pela agonia, tropeçando em todos os obstáculos, saiu ora andando, ora tentando correr, bradando seu desalento. Até finalmente bater num poste e cair. Portas e janelas de algumas casa se abriram por causa do alarido, em vão, todavia, porque ninguém acorreu para ajudar.