MATARAM O VENDEDOR DE TAPIOCAS?
O meu inesperado problema começou quando perdi o último ônibus à meia noite. Sem outra opção, decidi caminhar na noite deserta os quatro quilômetros até a casa onde eu residia. O único barulho atormentando as ruas por onde eu passava era dos cachorros, cujos latidos enraivecidos aconteciam porque certamente eles farejavam a presença móvel de alguém desconhecido no ambiente territorial deles. Isso não me incomodava, o coração acelerado tinha por razão o temor de ser abordado por assaltantes ou algum mal intencionado errante.
Para meu pavor, numa esquina surgiram, de súbito, cinco sujeitos completamente embriagados falando alto e promovendo algazarra entre eles. Ao me avistarem, os bêbados se animaram e foram ao meu encontro. Não tive como escapar nem achei de bom alvitre correr, preferi fazer o jogo deles e rezar para tudo acabar bem e logo.
Fui abraçado, obrigado a beber com eles, empurraram-me, estapearam-me, levei solavancos, fizeram todo tipo de piada comigo, rasgaram minha camisa, quase me derrubaram - provavelmente seria o meu fim -, enfim trataram-me como uma marionete, um brinquedo, um palhaço, o bobo da corte, praticamente tudo que um Pitbull faria com um pobre gatinho antes de faze-lo em pedaços. Por dentro eu rezava implorando por um milagre que os fizesse deixar-me ir em paz, que preservassem minha vida. O tempo passava e eles pareciam cada vez mais violentos e dispostos a tudo, tinham-me em suas mãos. Talvez não houvesse saída para mim.
Foi quando - jamais consegui explicar como nem por quê - surgiu não sei de onde um garoto com um tabuleiro na cabeça gritando: " Olha a tapioca! Olha a tapioca! " Como isso era possível? Naquela hora, vendendo tapioca e aos gritos? Seria real ou eu estava sonhando depois de ser tão machucado? Não sei. Tratava-se só milagre suplicando? Não sei, e nem queria conjecturar sobre isso, precisava fugir dali o mais depressa possível. Os cinco homens embriagados ouviram os gritos do garoto anunciando seu produto, pararam de me agredir e de me fazer de bola chutada por todos, então correram na direção do vendedor de tapioca. Rasgado, machucado e meio tonto, sem pensar duas vezes, corri desesperado batendo o pé na bunda, sem olhar para trás, sem raciocinar, chorando de alívio, não parando até chegar ao meu destino. Ninguém correu atrás de mim, mesmo os cachorros não latiam mais, somente quando entrei em casa lembrei do menino vendedor de tapiocas. Arrepiei-me todo. Era de verdade ou foi um milagre?