BRIGA DE FOICE NA MADRUGADA

Acordei com o tilintar das peixeiras e o grunhido de dois homens dispostos, certamente, a matar ou morrer. Talvez já fosse madrugada, minha rede era armada na sala, por isso somente eu escutei o embate das armas brancas e o resfolegar dos envolvidos na briga.

Assustado, o coração em louca disparada, sentei na rede e apurei os ouvidos. A lamparina acesa jogava a fumaça preta em derredor e já minhas narinas estavam pretas da fuligem. Não me importei nada com isso, era normal isso acontecer todas as noites. Minha atenção se agarrava ao perigoso jogo de vida ou morte se desenrolando lá fora.

A cada toque mortal das armas um deles gemia, um "ai!" aqui, um berro agudo de dor ali, tudo junto, agonia e metais se abraçando, recrudescia meu tremor, a transpiração e o batuque do coração. Pensei em chamar meu pai no quarto onde dormia com mamãe, mas a paralisia do medo me grudava na rede. Além do mais, o que ele poderia fazer senão nada? Bastava-me o pavor solitário, lembrando também que as forças de sair da rede tinham fugido se minhas entranhas.

Não sei quanto tempo duraram a luta, os gemidos, os insultos, as dores de ambos, os saltos de defesa e agressão de parte a parte, a dança das facas e a ânsia de um matar o outro. Pareceu-me um longo e doloroso tempo, quase uma eternidade. Por fim, num átimo, veio-me aos tímpanos um estranho chiado de metal perfurando carne ainda mais sensível e vital, um breve clamor agonico e um corpo flácido caindo sobre a calçada. Antes que ele caísse, porém, novo chiado, mais um breve berro e o segundo corpo despencou. Um grito abafado tentou escapar do meu peito, em vão contudo. E o silêncio. O resto da madrugada me surpreendeu sentado na rede até o alvorecer, quando meus pais acordaram e me viram. Nenhum som saiu de mim, apenas apontei para a porta. Sem entender, meu pai a abriu. E avistou dois corpos ensanguentados e mortos.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 11/08/2022
Reeditado em 12/08/2022
Código do texto: T7580180
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