A ida
Predestinar-se a ir a uma cartomante ou a um ambiente mágico nunca, nas literaturas, chegou a um bom fim. E talvez isso possa ser mudado. Ou não. O sempre final em morte certa, súbita e anunciada seja a sina de quem procura o mundo das coisas invisíveis.
Monifa descia do ônibus com o olhar perdido e um papel machucado na mão, olhava pro papel e dava uma volta em si mesma no meio da calçada à procura de uma casa de número 4. Estranhou a sua dificuldade de achar na casa, já que estava informado que a cor de sua faixada era vermelha, nas probabilidades pensadas, era muito difícil ter mais de uma casa vermelha na mesma rua. Na quarta volta, olhou pro lado e então a casa apareceu diante dos seus olhos, não conseguia acreditar, já havia olhado para o mesmo lugar e não tinha visto a casa, apenas se revoltou consigo mesma e foi andando arrastando sua saia longa no chão sujo de uma rua quieta. Era uma casa antiga e não havia campainha, ela não sabia se gritava, se batia no portão, lembrou do papel e ligou para o telefone que, quase ilegível, estava gravado em azul no centro. Ela estava com medo, não por causa do que ia fazer lá necessariamente, mas porque havia tido um impulso desesperado, sem comunicar nem a dona da casa. Se pôs, então, a gritar o nome da mulher.
— Socorroooo! Socorroooo! — se deu conta de que não era um bom nome a ser gritado em uma rua deserta. Então ouviu uns passos e aquietou, espero a presença aparecer.
Assim, uma senhora de vestido branco rodado com o cabelo também branco, o rosto com as fissuras já envergonhadas da vida e uma constelação de pápulas nas maçãs das bochechas. Os olhos eram quase transparentes e tão molhados que brilhavam.
— Tá louca, menina? Como que grita meu nome assim no meio da rua parecendo que tá morrendo? Meu nome é Maria do Socorro, na próxima chame só Maria! Que cara é essa de desesperada? Acalme o coração, vamos, entre.
Monifa a acompanhou, subiu os degraus e logo sentiu um cheiro de incenso muito forte, a casa era escura e o corredor também era vermelho. Havia uma cortina de miçangas separando um cômodo, Maria afastou as cordas e a menina passou para dentro do quarto. Havia velas para todos os lados, incensos, a parede era branca, o chão amadeirado, uma mesinha no canto com imagens, preces, símbolos, um móvel com várias gavetas e no meio um tapete estampado com duas almofadas e uma mesa redonda com um pano preto.
A visita sentou-se e a dona da casa também, embora quisesse falar o motivo para sua ida, parecia que a senhora já sabia, sua feição era de desobscurecimento do não dito. Ainda assim, a senhora perguntou:
— O que está procurando aqui? Digo, já pensou no que realmente quer vindo aqui? — parecia que aquelas palavras ecoaram pelo quarto de forma que o mundo havia ficado em silêncio. Monifa repensou se o que queria era tão bobo ou imaturo que a senhora já havia descoberto, ela não era a única mulher que precisou de ajuda no amor.
— Na verdade, quero muitas coisas e não sei o que realmente preciso. Vim para que jogasse para mim umas cartas e fizesse um corte de laço. — Monifa falava rapidamente, suas mãos não paravam e voavam pelo ar com gestos desnecessários. — Dona Socorro, eu preciso de sua ajuda. Me dê uma direção, um conselho, preciso de banho, de pedras, de óleos.
— Calma, menina! Você tá muito afobada! Não há como escutar o coração se a mente e a boca não param de falar, você só precisa respirar um momento. Continuar nesse espírito de necessidade e desespero só puxa más espíritos pra você. Vou te benzer primeiro e faço uma leitura, pra gente limpar um pouco essa sua energia carregada. — Socorro levantou e foi até a mesinha no canto, pegou uma jarra de barro e colocou ramos de uma folha dentro. Começou a cantar e benzer Monifa, fazia também uma oração que não dava muito para entender. Monifa só se concentrou e deixou a limpeza acontecer.
— Fia, eu sinto seu coração pequeno e apertado. Há muitos obsessores em cima de você, tua alma escurece no que vejo. Precisa prestar atenção nisso com calma.
— Eu queria, mas como posso ficar quieta se eles ficaram silenciosos e escondidos? A inocorrência do breve sorriso, a dor de gargalhar por acaso pela falta de costume, os dias se movem tão lentos e os meus pesadelos torturam meu espírito.
— Tu se aninhaste na tua própria paranoia, fia. É preciso perdoar o passado, é preciso se reinventar a partir do presente. Não precisa de corte de laço, precisa superar o que maltratou o coração, pois quando os seres sujos sabem que você ainda está naquele momento, eles entram onde você não vê, eles produzem esses pesadelos e te machucam ainda mais nos lugares já apodrecidos dentro de você. Você precisa aprender, fia. Precisa aprender de verdade com o que acontece, precisa saber a hora de parar.
Monifa chorava silenciosamente no meio do quarto e confusa estava tentando entender a mensagem, suas lágrimas já escorriam do pescoço e desciam pelo meio dos seios, tuas mãos estremeciam, sua barriga esfriava e acalorava de respiração em respiração.
— Tu tem medo de viver. Não se pode ter medo de viver. — disse a senhora com os olhos fechados. — Vou embaralhar as cartas.
Dona Socorro acendeu as velas na mesa e misturava as cartas de tarô. Monifa parecia ainda permanecida e impregnada numa sensação que transitava entre o total esvaziamento e o deslumbramento sublime.
Três cartas na mesa: o carro, o diabo, a estrela.
— Então, mocinha... O que consigo ver é que você está sem direção, seu carro está perdido, as suas emoções flutuam e você espera que elas indiquem a direção certa, por isso esses caminhos errados. Com a estrela só confirma essas dualidades, há um lado fértil, de boas ideias, boas novas e outro de infertilidade, pouco, planta murcha e mesmo você tendo sua vida já amadurecida e desenvolvida, precisa dosar o lado certo. Não tome um susto com carta do Diabo, também pode ser boa coisa... Bom, parece ser uma pessoa que gosta de comandar, gosta de prazer, mas nem tudo sempre vai dar prazer, fia, então é necessário se contentar com a calmaria também, assim se alcança a pureza que eu vejo que tanto quer, você tá muito perturbada. Também vejo essas direções nas próprias cartas, seu carro pode ir para as estrelas ou para o subsolo, quem tem que dirigir é você. Não vou fazer o corte que você queria, você não precisa disso.
— Muito obrigada, dona Maria. Vou pensar em tudo o que me disse.
Então, Monifa saiu do quarto, desceu as escadas, saiu na rua, caminhava quase que sem direção numa rua cheia de vazio. Seu olhar estava escuro e não prestava atenção o que tinha ao seu redor, nada do que ouvira foi mau presságio, mas ela se preocupava como iria fazer para encontrar o caminho mais iluminado. De longe viu o ônibus que devia pegar ao longe, na praça, parado no ponto. Saiu correndo sem olhar onde pisava, caiu num bueiro sem tampa, morreu.
Não se sabe se ela viu as estrelas ou encontrou o diabo.