O VELHO DO SACO
O velho tinha orelhas enormes, pés sujos e grandes, unhas pretas em dedos tortos e calosos, que invariavelmente seguravam um enorme saco puído onde, segundo diziam, escondia crianças roubadas.
Por causa de suas orelhas descomunais e seu ar ranzinza e ameaçador, diziam-no um Papa-figo que caçava crianças para comer o fígado delas. Por isso todos o temiam, inclusive os adultos. Verdade ou não, a criançada tratava de fugir apavorada ao vê-lo. As pessoas evitavam-no.
No dia de Cosme e Damião, coincidência ou não, os irmãos gêmeos chamados Cosme e Damião brincavam nas redondezas de um terreno baldio em que havia um buraco fundo há anos cavado por alguma razão desconhecida e esquecido pelo tempo. Alheios ao perigo, os irmãos gêmeos, coisa do destino, infelizmente caíram ao mesmo tempo no buraco de extraordinária profundidade. Lá, com fraturas expostas e agonizando de dor, gritaram por socorro durante vários minutos, ainda sendo vagamente ouvidos ao longe por um ou outro que não deu muita importância ao alarido, pois afinal de contas criança é barulhenta mesmo.
O velho do saco, por acaso, cessados os gritos dos garotos, circulou pelo local e foi visto por alguém. Quando anoiteceu e os gêmeos não voltaram para casa, a cidade entrou em polvorosa. Procuraram por eles com afinco e preocupação,mas sem nenhum sucesso. No segundo dia do desaparecimento, a família já tomada pela aflição, a testemunha lembrou da presença do velho do saco nas proximidades, afirmando que talvez ele soubesse o paradeiro das crianças. Então a polícia o prendeu, a má fama do velho o precedia. Sem saber o que estava acontecendo, inocente porém acusado, ele apenas gaguejava apavorado quando lhe perguntavam sobre os desaparecidos. Pobre coitado!
O velho do saco foi torturado e brutalmente espancado, porém não tinha as respostas desejadas pela polícia. Sua casa foi vasculhada em cada metro quadrado do pequeno espaço do casebre onde vivia, mas não foi encontrado nenhum vestígio de Cosme e Damião. Por isso, certos de que o velho do saco era o culpado, ele continuou a ser espancado e torturado durante dias, até que, e certamente isso terminaria assim, numa manhã fria encontraram-no morto na cela onde o jogaram. Foi sepultado como se culpado fora. Contudo, os restos mortais dos gêmeos foram descobertos dois anos depois. A autópsia revelou que eles haviam caído e morrido no buraco fundo. Um mero e infeliz acidente.