A Donzela da Noite Sombria
Era noite e já passava das 10 horas quando vinha descendo da rua das Mercês Tenório Werneck, um jovem de 24 anos com suas roupas bem alinhadas, um chapéu branco sobre a cabeça e com os sapatos lustrados. Tenório era morador de Salvador, pertencente a uma nobre família estrangeira que tinha feito fortuna exportando tabaco para Europa. A sua família chegara em 1882 vindo direto da Holanda para Bahia e depois de comprarem o primeiro terreno para plantação do tabaco o seu negócio prosperou graças as terras férteis de Salvador e assim conseguiram construir uma verdadeira fortuna em terras brasileiras. O rapaz vinha cambaleante descendo a rua, pois havia ingerido muita bebida na taverna do Espanhol e não satisfeito com a primeira parada da noite continuava descendo a rua das Mercês em direção a outro local para mais uma rodada de bebidas com seus amigos para taverna Cova da Onça.
A primeira desceu ardente na sua garganta, mas depois da primeira tudo ficou mais fácil de ser ingerida. Tenório vinha amargurado depois de uma temporada na Europa, quando os seus pais o mandaram para Amsterdã com a intenção de que ele voltasse um doutor da lei na universidade. No entanto o jovem rapaz aproveitou os seus dois anos de estadia no velho mundo apenas para encher a cara, aproveitar a Bohemia e namorar com as jovens donzelas da sua terra natal e mais nada. Voltando para casa sem diploma e sem o anel de formatura ele trouxera consigo somente a vergonha a seus pais, algo que provocou a indiferença em sua família junto a ele. Para suavizar essas mágoas e esquecer os beijos e as coxas ardentes de suas amadas na Europa, Tenório prefere apagar as amarguras na bebida e faz isso com maestria indo quase que diariamente as tavernas.
Depois da última parada na taverna Cova da Onça Tenório vai em direção de casa pela rua Gregório de Matos onde passa pelo o cemitério Campo Santo. Seguindo pela rua mal iluminada e lembrando – se que passava em frente ao cemitério, Tenório começa a suar com medo de lhe ocorrera maus presságios. Quando ele ver debaixo de uma luz de um poste vacilante a silhueta de uma mulher. Tenório sem acreditar se aproxima daquela sombra e percebe que realmente era uma bela jovem que estava sentada no banco em frente ao cemitério. A moça percebe a presença de Tenório e dar um sorriso tímido e esconde o rosto para ele não perceber. No entanto Tenório pensa consigo mesmo que não iria desperdiçar uma oportunidade daquelas quando a moça correspondeu o seu olhar. O rapaz chega ao lado dela ainda cambaleante e ébrio e pergunta a ela o seu nome. A moça com um sorriso nos olhos diz apenas que se chama Sabrina Martins. Ele muito curioso com o primeiro contato com a moça, pergunta o que uma moça tão bonita estaria fazendo ali uma hora daquelas. Ela diz que estava apenas esperando alguém. Quando perguntada quem era esse alguém ela também não sabia responder. A moça parecia confusa de onde estava. No entanto Tenório não se importou com isso e a convidou para andar com ele pela cidade, tomar um ar fresco. Tenório viu grande beleza na donzela, pois ela era uma mulher esguia, com lábios finos e delicados e com os olhos sorridentes, dava uma impressão que ela estava sorrindo o tempo todo. Tenório também percebeu que ela aparentava ter uns 19 anos de idade e usava um vestido muito fino parecendo ser bastante caro.
Depois de os dois conversarem bastante ele foi deixa – la em frente a sua casa que ficava na rua da Laranjeira em um sobrado bem distinto dos demais. No portão de sua casa Tenório a tocou no braço e levemente inclinou a sua cabeça em sua direção a moça sem jeito deu apenas um beijo no seu rosto e entrou rapidamente em sua casa. Tenório já bastante entusiasmado com aquele pequeno beijo no rosto, achou que era o começo de uma grande paixão que iria aplacar a sua angustia e prometeu para si mesmo que no outro dia iria voltar a vê – la de novo. Já no outro dia em frente a casa da moça ele o espera pacientemente e a ver passando pelos cômodos da casa despercebida, Sabrina o ver também e acena para ele como resposta, mas não sai de casa para cumprimenta – lo. Depois de horas a esperando Tenório desiste e desiludido com aquela paixão que durou apenas uma noite vai até a taverna mais próxima Cova da Onça para esquecer as suas mágoas. Bebendo cerveja, conhaque, whisky e cachaça. Tenório sai não apenas com seus males temporariamente curados, mas também embriagado mais do que de costume. Seguindo o mesmo trajeto da noite anterior Tenório passa em frente ao cemitério Campo Santo e encontra novamente Sabrina no mesmo banco sentada e quando ela o ver corre em sua direção o abraçando.
--- Como é bom de ver meu querido Tenório, achei que nunca mais iria vê – lo novamente.
Diz Sabrina o apertando gentilmente em seus braços. Tenório tentando recobrar a sua consciência e buscando na lembrança quem era aquela bela jovem que o abraçava, ele lembra quem era ela, era Sabrina a moça que ele conhecera ontem. Com a ajuda de Sabrina ele senta no banco e começa a beija – la loucamente. Sabrina espantada com sua atitude recusa a investida do rapaz, mas depois o beija também com a mesma intensidade com quem foi beijada. Depois de uma noite em que o jovem casal trocara carícias em uma rua solitária sem a presença dos olhos inquisidores. Tenório vai para casa muito satisfeito com aquele encontro com a Sabrina, mas não antes de deixar a sua amada em casa. Na cabeça do jovem amante aquilo só poderia ter sido providência divina, pois quando tudo estava acabado ele encontra a sua amada o esperando com o sorriso no rosto.
No outro dia no mesmo horário Tenório vai a casa de Sabrina e dessa vez decidido a espera a sair no portão. Algumas horas se passaram e Tenório ao ver sua amada pela janela do sobrado passando de um cômodo para o outro ligando uma luz, desligando outra e andando devagar pelos quartos. Depois dele achar tudo isso estranho ele decide tocar a campainha da casa e quem atende é um homem, um senhor de cabelos grisalhos com um olhar resoluto e uma voz grave que pergunta quem ele é. Tenório supondo que aquele senhor fosse o pai de Sabrina queria aproveitar a oportunidade de se apresentar a família da moça e começa a falar quem ele era, quem era a sua família e o que a sua família possuía. O homem pacientemente o escuta quando no final Tenório pergunta onde estava a Sabrina porque iria sair com ela, o homem seriamente o olha com um olhar fixo e fecha a porta na sua cara. Tenório fica sem entender e a ver do alto no quarto de cima acenando para ele e depois sai.
Fazendo o mesmo caminho em direção ao cemitério Tenório tem esperança de encontra – la novamente no mesmo local. No entanto senta no banco onde muitas vezes os dois se sentaram e reflete sobre que relacionamento é esse que os dois vivem. Depois de horas de espera ele a encontra mais uma vez com o sorriso nos olhos uma marca de identidade que somente ela possuía e apressadamente a abraça, a beija e trocam amores ali mesmo na grama do jardim externo do cemitério. A noite havia sido muito quente naquele dia e Tenório a deixa novamente, prometendo a ela que no dia posterior iria a pedir em namoro para os seus pais custasse o que for e esperasse o que fosse necessário.
Na noite seguinte Tenório vestiu o seu melhor terno, colocou o seu mais belo par de sapatos e usou o seu mais agradável perfume para ir a casa de Sabrina. Decidido a não mais esperar que ela aparecesse no portão, Tenório toca a campainha da casa e se apresenta como namorado da moça e pede para vê – la para convida - la para sair. O homem que o atendera fora o mesmo do dia anterior e pacientemente sem conseguir entender o que Tenório contava ele afirma que existia uma garota chamada Sabrina naquela casa, mas ela já estava morta há mais de dois anos e que ela era sua filha. Tenório achando que aquilo tudo era um equívoco insiste em dizer que a viu em mais de duas noites e esteve com ela. O homem já perdendo a paciência com o jovem rapaz diz que a sua filha perdera a sua vida em um trágico acidente de charrete quando ela estava com seus dezenove anos recém completados. Ele sem acreditar na história do homem decide ir ao cemitério por conta própria para encontrar algum vestígio da sua amada e percorrendo o cemitério com a ajuda do coveiro local finalmente encontra a lápide de Sabrina Martins, a foto na sepultura indicava que essa era realmente o túmulo de sua amada. Ao ver a sua lápide com sua foto caiu aos brandos desconsolado lembrando – se dos momentos marcantes vividos com ela. Tenório confuso e perturbado com a situação não sentiu medo de ter estado com o espírito da jovem donzela morta, mas o que ele sentiu foi indignação de nunca mais voltar a vê – la novamente. Aqueles momentos para Tenório não foram bizarros e nem estranhos, pois para ele foram verdadeiros e indescritíveis. Porque mesmo que não tenham sido reais para quem não pode vê – la ou sentir na sua concepção de realidade para ele foi tudo de verdade, pois a lembrança de seus abraços, o calor do seu corpo e o gosto dos seus beijos ainda estão vivos em suas memórias como marcas de um passado vívido, pois para ele não era uma aparição fantasmagórica de uma donzela na noite sombria, mas sim a mulher que ele mais amou.
Tenório nunca mais fora o mesmo depois dessa experiência sobrenatural amorosa. Decidiu voltar a Europa e ingressar na faculdade de filosofia em Coimbra. Formou se como mestre em filosofia na universidade, o desejo que sua família tanto queria e depois disso só passou a buscar a clareza dos pensamentos e o conforto das virtudes.
Davi Freitas - 24/07/2022