A CAIXA DE DORA
Faltavam poucos dias para o casamento, o casal namorara por um período rápido, oito meses se muito, e Dora, já há tempos deixara de ser uma balzaquiana, não queria de forma alguma perder a oportunidade de um enlace matrimonial com Celso, homem bem mais jovem que ela, o qual dominava por completo. Estavam os dois em meio à arrumação do apartamento quando o futuro marido com curiosidade indaga sobre o objeto inerte numa das prateleiras da estante, uma caixa de madeira envernizada, quadrada, semelhante a um pequeno baú, portando na parte superior uma fechadura de cobre, com característica colonial que, dada a sua dimensão, comportaria com muito esforço um pequeno par de calçados feminino.
— Querida, o que tem nesta caixa que mais parece um cofre? — Seriam as joias do dote? — esboçando um largo sorriso.
— Não ouse tocar nela. — Bruscamente a mulher estende uma das mãos e a puxa para o seu lado, evitando que o homem a pegue.
— Perdão, não sabia que guardas segredos dentro de uma caixa. — responde prontamente Celso.
Ela permanece calada, e seu comportamento muda por completo após o episódio. O homem então não diz mais nada, se limita apenas a prosseguir na arrumação, sempre direcionada por ela. Dora, por sua vez, com a caixa em mãos, aproveita uma distração de Celso para coloca-la no fundo do armário, dentro do closet.
Findada a jornada da organização, ele a leva para casa, se despedem e durante os dias que antecedem a cerimonia e, entre uns afazeres e outros, nada mais é comentado sobre a caixa.
Chega a grande noite, tanto o cerimonial religioso, assim como a recepção, deixam os nubentes esfuziantes. Voltam da lua de mel e seguem para a residência para dar inicio a uma nova rotina diária. Apesar da curiosidade de Celso, ele evita falar sobre a caixa, mesmo que a tenha visto lá no canto do armário, como que se escondesse de intrusos, porém ele segue obedecendo fielmente as ordens de Dora. Algumas vezes flagrara a mulher mexendo na caixa, entretanto ele respeitosamente nunca comentara nada. Os anos se passam e, ainda sem filhos, o casal segue a vida normalmente. Mas no seu intimo permanece a curiosidade. Por vezes fica a divagar sobre o que de importante e tão secreto conteria naquela urna, sem nunca ter a coragem de matar tamanha curiosidade. Então brinca consigo mesmo: — Seria uma caixa preta, uma caixa de costuras ou de ferramentas? Ou quem sabe a caixa de pandora, aquela da mitologia grega? — para depois sorrir.
Muitos anos se passariam, sem que houvesse qualquer menção do assunto. Dora adoece e é hospitalizada. Seu estado de saúde merece atenção e imediatamente é internada. Após longos dias de incertezas a mulher entra em estado de coma. Celso passa a ficar mais tempo sozinho em casa. Sua curiosidade sobre a caixa é aguçada a cada dia. Então tomado de um instigante desejo, pega a caixa e tenta abri-la, mas em vão, precisa de uma chave. — Onde deveria estar essa chave? – pergunta a si mesmo. Nesse exato momento toca o seu celular, uma ligação o convoca para comparecer urgentemente ao hospital.
Encontra Dora agonizante, prestes a falecer, por alguns segundos a mulher parece retomar os sentidos. Ela tenta falar algo ao marido, mas de tão frágil mal consegue balbuciar. Celso se curva sobre o leito e encosta um dos ouvidos: — Meu querido se quiser viver feliz e por mais tempo nunca abra aquela caixa... — em seguida dá um ultimo suspiro e parte para a outra dimensão.
O viúvo e os familiares providenciam o sepultamento da mulher. Após o ritual, Celso retorna para casa e as últimas palavras da falecida ressoam sem cessar em sua cabeça. Mesmo cansado tem um ímpeto, sem se importar com a fala da falecida, desobedeceria pela primeira vez as ordens daquela mulher, cometeria uma traição sem remorsos. Carregado de curiosidade ante as palavras e o conteúdo da caixa, pega o objeto e faz um esforço descomunal para abri-la sem a chave. Após várias tentativas decide procurar a chave. Sua procura fora em vão, decide então arrombar o fecho, com o corpo encharcado de suor e com as mãos tremulas porta um martelo, logo na primeira tentativa a trava cede. Consegue finalmente o seu objetivo e, ao abrir a caixa e ver o seu conteúdo, subitamente o seu corpo tomba ao chão, morto. Fora acometido por um infarto fulminante.