Oração ao Tempo

A visita às ruínas do templo de Cronos estava terminando, e o grupo de turistas começava a se aglomerar ao redor do ônibus que os levaria à próxima atração, quando Jonathan Hobbs e sua esposa Teresa avistaram um garoto de cerca de 8, 9 anos de idade, espiando-os por trás de uma coluna quebrada.

- Não me lembro de ter visto crianças no ônibus - comentou Teresa.

- Olha a carinha dele... deve ser aqui da região mesmo - redarguiu Jonathan.

- Também não vi nenhuma casa nas redondezas. Será que ele se perdeu? - Questionou Teresa, mão no queixo.

Jonathan olhou para a esposa com expressão matreira.

- Você não é professora de literatura clássica? Por que não gasta um pouco do seu grego homérico com ele? - Espicaçou-a.

- Grego homérico é arcaico; - replicou Teresa. - Ninguém mais o usa no dia a dia há milênios, mesmo aqui, na Grécia.

Todavia, aproximou-se com cautela do menino e agachou-se, para ficar na mesma altura dos olhos dele.

- Saudações! - Disse em grego homérico, achando que era uma tolice extremada dirigir-se assim à uma criança. Para sua surpresa, contudo, o garoto respondeu do mesmo modo, e saiu de trás da pilastra. Vestia uma túnica de linho, um quíton, amarrado na cintura, e estava descalço.

- Você... está perdido? - Inquiriu Teresa, surpresa por poder ser compreendida.

- Estava brincando de esconde-esconde com Eunice e entrei numa caverna - explicou o garoto. - Quando saí... tudo ficou diferente.

- Talvez tenha passado muito tempo na caverna - ponderou Teresa. - Quem é Eunice?

- Minha irmã.

- E você, como se chama?

- Aristos. E por que você fala esquisito?

- Bem... eu aprendi grego lendo livros, nunca tive oportunidade de praticar conversação - riu ela.

- Também se veste esquisito... e o que é aquela caixa grande com rodas, ali embaixo?

Teresa virou-se. Aristos só podia estar falando do ônibus, claro.

- É um... bom, é um tipo de carroça. Nunca viu um?

- Uma carroça? - O garoto franziu a testa. - Daquele tipo, nunca. E onde estão os cavalos, os bois, para puxar?

- Ela... bom, ela anda sozinha - admitiu Teresa.

O garoto sorriu.

- Isso é mágica - ponderou.

No instante seguinte, o motorista buzinou para chamar a atenção dos turistas. Aristos arregalou os olhos.

- A coisa grita! - E correu para trás da pilastra quebrada.

Jonathan, que assistia a conversação à distância, sem entender nada, fez sinal para a esposa.

- Teresa! Vamos!

- O menino... - respondeu ela, erguendo-se. - Acho que ele não é daqui.

- Pois vamos levá-lo até o motorista, - replicou Jonathan. - com certeza vão poder se comunicar melhor e o deixamos na delegacia mais próxima.

Teresa caminhou até a pilastra e percebeu que não havia ninguém ali. O garoto não poderia ter desaparecido tão rápido, nos poucos instantes em que se virara para falar com o marido.

- Ele disse que estava escondido numa caverna... - murmurou ela.

Jonathan aproximou-se da mulher e pôs a mão em pala sobre os olhos, observando os arredores.

- Foi embora e não temos tempo pra procurar; falamos com o motorista para avisar a polícia.

Relutante, Teresa seguiu o marido, que encaminhava-se para o ponto onde os demais turistas se agrupavam para embarcar no ônibus. Virou-se uma última vez, antes de começar a descer a colina, e teve a impressão de avistar um rosto moreno, encarando-a por trás de uma coluna quebrada.

Mas devia ter sido só impressão...

- [10-06-2022]