Um Sinal

“Mars when i was your man”, das músicas do cantor americano Bruno Mars era a que mais gostava, havia feito uma coletânea no Spotify e a colocara em primeiro lugar, programou para que a caixinha de som da Alexa o despertasse sempre com esse single, não foi diferente aquele dia, quando acordou às 5:30 da manhã, tudo muito escuro, demoraria um pouco pra amanhecer, cantarolou a música até o fim, como sempre fizera, quando a segunda música deu início, pulou da cama e se dirigiu ao banheiro, acendeu a luz, olhou-se no espelho, a barba novamente por fazer, pegou o creme de barbear, pincelou todo o queixo e a região das mandíbulas, em seguida começou o processo de raspagem, primeiro de baixo pra cima, depois de cima pra baixo, sempre no sentido do crescimento da direção do pêlo, como certa vez vira num filme hollywoodiano, como não tinha uma barba muito cerrada, em pouco tempo havia acabado, lavou o rosto com um sabonete esfoliante e em seguida enxugou-se, achou que sua expressão estava bem melhor agora, o rosto vibrante, sem nenhum Indício de sono.

Tinha visto certa vez em um reels do Instagram que o correto era tomar o desjejum após a escovação, mas nunca conseguira colocar esse hábito em prática, em parte porque não se imaginava tomar o café da manhã com aquelas bilhões de bactérias mortas na boca, que provocava o característico mau hálito matinal, portanto tratou de tirar aquele gosto de cabo de guarda-chuva da boca, pegou sua escova de dente e escovou tudo minuciosamente, como sempre fizera, tratou também de escovar a língua mesmo sabendo que ia sujar tudo de novo, cerrou os dentes e para a sua satisfação, percebeu como os tinha saudáveis, há muito que não visitava um dentista e mesmo assim seus dentes eram muito alvos e bem cuidados.

Aprendera a programar a sua cafeteira, da maneira que quando chegava à cozinha já podia sentir o cheirinho do café pronto.

Adorava antes de dar o primeiro gole, fechar os olhos e sentir o aroma forte do café, feito isso, olhou-se dentro da xícara, de imediato lembrou-se que sempre fazia isso quando era criança, a face sombria tremulando, como que pedindo pra escapar dali e isso só aconteceria obviamente se tomasse todo o líquido como agora, com os olhos semicerrados, lentamente, saboreando cada instante.

Terminado o brequefeste, olhou no relógio da cozinha, 5:45, o dia ainda não amanhecera, foi até a sacada e olhou no horizonte, nem sinal do sol, na noite anterior havia consultado um site de meteorologia, que havia indicado que o sol nasceria às 6 horas, 02 minutos e 25 segundos, tentou pensar em que bases eles faziam esses cálculos, sabia que no Brasil o lugar mais ao leste era o Estado da Paraíba, sem problema, pensou, ele só queria ter a certeza de ver o primeiro raio de sol do dia, aquele seria o sinal.

Voltou para o seu quarto, o som ainda ligado nas músicas do Bruno, o hit agora era “24k Magic” foi ao guarda-roupa e escolheu o seu terno preferido, também o mais caro, um legítimo Dolce Gabana, calçou seus sapatos que mais gostava, feitos sob encomenda pelo mesmo sapateiro que calçava seu pai e seu finado Avô.

Indeciso foi à frente do espelho com quatro gravatas italianas, mas percebeu que a azul, por ser mais clássica, era a que lhe caía melhor. Sentiu seu cabelo opaco, pegou na penteadeira o frasco de gel e retirou uma generosa quantidade e passou por toda a extensão do cabelo.

Agora, sim seu cabelo ganhara volume, vida, e experimentou a rara sensação de estar impecável.

Sabia que nesse dia estava completando exatos 30 anos de idade, vira em um documentário na Netflix, que o corpo humano começa a envelhecer a partir dos 23 anos, na noite anterior vasculhou todo o seu rosto a procura de uma ruga, procurou tanto que acabou encontrando uma, próxima a região dos olhos, no final das contas ele era tão humano como qualquer um pensou, mas ainda assim sentia se no auge da vida.

De longe perguntou para a Alexa:

-Alexa que horas são?

Ao que ela respondeu, interrompendo mais um dos hits do Bruno...

– Agora são 5 horas e 55 minutos da manhã, quinta-feira 09 de junho...

-Alexa, stop!

Foi até a área de serviço e com muito cuidado sentou-se no parapeito, quereria acabar de vez com a sua vida, mas não naquele momento, o prenúncio para o pulo seria dado apenas quando o primeiro raio de sol o atingisse, sabia que a qualquer instante tudo ficaria pra trás e começou a olhar atentamente para o horizonte, por mais que lhe tentasse não olhou pra baixo, seu bloco de apartamentos ficava no vigésimo quarto andar, não era o último evidentemente, porque acima ficava a cobertura de um senador Alagoano.

Seu coração batia forte, era todo ansiedade, pensou momentaneamente que o sol já nascera em alguma parte do Brasil, segundo a meteorologia que lera, mas ali ainda não, lá onde o firmamento parecia encontrar-se com a superfície terrestre, podia divisar o céu tingir se com tons róseos, e observar pequenos farrapos de nuvens lentamente tingir-se de vermelho, a qualquer momento o astro rei nasceria, o ar frio da manhã fazia o seu nariz respingar, esfregou-o com as costas da mão, nada poderia atrapalhá-lo, achou que era o momento de ficar de pé, abriu os braços, em instantes ele nasceria, e no momento em que ele nascesse, tudo estaria acabado.

-Ô moço se tá pensando que é o super-homem, aquilo é de mentirinha, né de verdade não!

Aquela vozinha infantil pegou-o de surpresa, mas como isso? pensou.

O político dono da cobertura dificilmente era visto ali, ele mesmo só o viu umas duas vezes no elevador, e agora aquela criança, tentou ver de onde saía à voz, por fim descobriu um rostinho enfiado na grade de proteção, e quando deu com a carinha dela, ela lhe ofereceu um largo sorriso, tinha olhinhos vivos, cachinhos dourados, parecia saída de um daqueles quadros de pintores renascentistas, a pobrezinha ainda estava com roupas de dormir, pensou. Ficou sem saber o que fazer diante daquela situação emudeceu, com cuidado voltou-se pra dentro sem tirar os olhos de sobre a garotinha, de repente percebeu que seus cabelinhos louros brilharam intensamente, só então notou que o sol acabara de nascer, não conseguia pronunciar nenhuma palavra, ouviu uma voz indistinta vinda do fundo do apartamento vizinho chama-la para entrar.

Ele ficou olhando aquele pinguinho de gente sumir pra dentro do apartamento, voltou às costas novamente e percebeu como a terra acabara de dar à luz literalmente um sol magnífico, arrebatador, ficou vendo aquela bola de energia subir lentamente na expansão dos céus, subitamente lembrou-se de uma música que era apaixonado.

Entrou novamente no seu apartamento, foi até a Alexa e ordenou:

-Alexa toca: High & Dry - Radiohead

ouviu até o fim, e de novo, mais uma vez se emocionou, deu um grande suspiro e exclamou pra si mesmo: “Se a vida não vale muita coisa, talvez valha por esses momentos, a arte talvez seja o sinal que a vida signifique algo.

Fim

NÁSSER AVLIS
Enviado por NÁSSER AVLIS em 08/06/2022
Código do texto: T7533403
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