Contos de Minas - A Serra do Bicho
Serra do Bicho
O livro de oração na mão daquela senhora chamava a atenção. Havia um motivo para que ela não o deixasse de lado em todos os momentos que seus afazeres permitiam.
Um pouco adiante, depois de cruzada a ponte do rio, no lugar da estrada onde diziam que caprichosamente o vento fazia uma curva, começava a Serra do Bicho.
As pessoas contavam suas histórias e existe ainda quem remexe suas lembranças sobre aquele lugar. Nunca transpareceu nas narrativas, qualquer fato que pudesse estigmatizar aquela localidade, nenhuma mistificação se fazia de lá. Falavam apenas dos parentes ou pessoas conhecidas que por lá residiram. No entanto, pairava algo que despertava nos ouvintes um sentimento estranho, de mistério, talvez porque ninguém nunca soube responder o por quê do nome daquela serra. Que bicho era esse? Por que teimavam que o vento mudava de rumo, nunca seguindo na direção da fazenda que levava o nome da serra? Fazenda da Serra do Bicho! Quase nada se falava da tal fazenda, diziam que era grande e de gente rica, não falavam nos proprietários nem nas atividades lá praticadas, contavam sobre pessoas simples, que muitas vezes eram proprietárias de pequenas porções de terras, das dificuldades pelas quais passavam, por conta do isolamento e da geografia do lugar. Entre os que contavam e os que ainda contam, ninguém conheceu de fato a Serra do Bicho, apenas tiveram antepassados que viveram na localidade. No que contam de lá, sempre acabam na vida sofrida de uma família por ter que manter enjaulado um de seus entes, pois era doente mental violento e forte fisicamente, causa de perigo de morte para qualquer pessoa com quem tivesse contato.
Aquela senhora, inquieta com o manual Horas Marianas nas mãos, indagada, contou a sua história: Ler as orações contidas no livro foi o caminho indicado pelo padre que foi fazer o benzimento na propriedade da família e que amenizou o grande sofrimento por que passavam. A família dela era grande, vários irmãos e irmãs, entre eles os três irmãos que atinaram de comprar a fazenda Serra do Bicho. Tinham bens, mas muito aquém do necessário para pagar o valor pedido, quando cometeram o desatino de fazer um pacto satânico. Fizeram um pacto de sangue com o demônio; depois do ritual da mistura dos sangues quiseram voltar atrás, quando então a família passou a viver uma vida infernal. Nas noites não se conseguia dormir, ventos arrancavam as telhas da casa, nas refeições porcarias eram despejados nos pratos, aconteciam desordens por todos os lugares e nas coisas que costumavam fazer na propriedade. Depois do trabalho de benzimento, missas rezadas e orações praticadas, a paz relativamente voltou na moradia, os três irmãos não se livraram da maldição, ficaram doentes mentais. Dois deles sumiram do lugar e o outro passou a viver enjaulado feito fera selvagem, de tão perigoso que era.