Mensagem

- Padre Matias?

O velho virou-se com calma paquidérmica e fitou o desconhecido à sua frente.

Sobre o altar Marcelino, o coroinha organizava uns poucos itens enquanto os músicos desarmavam seus instrumentos em silêncio à esquerda. Pequenos grupos se formavam do lado de fora, conversando e rindo. Fora uma calorosa missa de fim de domingo e início de semana.

- posso ajudar? – perguntou.

- sim – respondeu o sujeito que esfregava as mãos nervosamente – tem algo na minha casa e eu não sei como lidar. Acho que o senhor saberia...

- do que está falando ?

- um fantasma, senhor.

- fantasmas não existem, rapaz.

- uma alma penada, um espírito, um morto que ainda não sabe que morreu... Eu não sei. Algo está habitando a minha casa, senhor.

- rapaz... Os mortos não voltam dessa maneira, Deus não lhes permite voltar. Você fala em aparições em sua casa, manifestações, forças que não pode compreender e eu entendo o que me diz e imagino o que possa vir a ser, mas, fantasmas? A alma daqueles que se foram? Não – e falando estalou o bico.

O homem lançou um olhar às suas costas e voltou-se a ele. Ali ficava o Cristo crucificado e esculpido em madeira e o padre Matias não precisou virar-se pra compreender aquele brilho repentino no olhar do outro.

- como se chama?

- Tomás.

- eu não o conheço, Tomás. Há quanto tempo freqüenta essa paróquia? É católico, cristão, batizou-se?

Tomás sacudiu a cabeça num sutil aceno negativo ao que o velho assentiu numa postura firme. Continuou:

- Fui transferido para cá há pouco mais de um ano e só hoje estou vendo-o... Tenho trinta anos de sacerdócio e reconheço os modos de um cristão temente a Deus há um quilômetro ou mais. Está me falando de supostas aparições fantasmagóricas, eu entendo. Mas, querer por a prova a existência do nosso senhor Jesus Cristo como forma de contrapor o que penso dessa sua história? – riu sem graça – deveria expulsá-lo daqui a chutes rapaz, blasfemar é o mais ultraje dos pecados, sabia disso?

Calado, Tomás retirou um bilhetinho do bolso e estendeu ao padre que se recusou a pegá-lo:

- o que é isso?

- um recado vindo da entidade ou alma... Ou minha imaginação, se assim preferir.

Como Matias não fez menção de apanhá-lo, Tomás o deixou sobre o altar e se afastou sem dizer mais nada.

Somente quando este sumiu por entre a multidão que aos poucos se dispersava lá fora, o velho ordenou a Marcelino que visse do que se tratava o pedaço de papel.

O menino que fitara com atenção a conversa entre os dois homem leu três ou quatro linhas com curioso interesse.

- quem é “meu irmão, meu pintinho” que diz aqui? - perguntou.

O velho não o ouviu.

Já nas primeiras palavras daquela carta ele compreendera a história do homem e correu até a porta, mas, ele havia sumido. Aquela altura devia estar longe. Marcelinho vinha em seu encalço acompanhado de outras pessoas que faziam perguntas as quais ele ignorava.

Sua cabeça girava num turbilhão e sob o olhar dos poucos curiosos Matias dobrou os joelhos e orou à irmã morta.