A meu Avô
O que vou relatar aconteceu comigo, e ainda me pego pensando nisso vez ou outra. Trata-se de uma fase de minha infância, em que junto de meus pais, passava sempre que possível alguns dias no sítio de minha avó.
Lembro-me com muito carinho daquele tempo, em que passávamos a tarde toda brincando no gramada e comendo doces e salgados que ela fazia com tanto gosto. De correr com seu faceiro vira-lata e de sentarmo-nos a noite em volta do fogão a lenha, onde ela contava histórias até que eu acabasse dormindo.
Quanto as histórias, as que eu mais gostava de ouvir eram sobre meu avô. Eu não tive a chance de conhece-lo, pois faleceu quando a mãe ainda estava grávida, mas através das narrativas de minha avó, percebia como ele era bom, e certamente um amigo maravilhoso. Reforço aqui que ainda era uma criança nessa época e não entendia muito do mundo, mas o suficiente para imaginar com detalhes todas suas aventuras.
Gostava em especial de, depois de ouvi-las, passar pelas paredes do sítio, onde retratos da família jaziam pendurados. Pena que todas em que ele aparecia tinham tão baixa qualidade. Eram outros tempos quando foram tiradas, você deve imaginar, mas era tudo que eu tinha para vê-lo.
Agora, a parte da história em que quero chegar, é a respeito de um dia... Ou melhor, uma noite, em que inquieta e sem sono, levantei e fui a cozinha, atrás de algo para comer. Não deveria sair por aí assim, por isso fiz com bastante cuidado.
Após comer alguns biscoitos que haviam sobrado sobre a mesa, refiz meu caminho ao quarto, quando me deparei com a porta do “quarto da bagunça”. Tanto meus pais, como minha avó haviam me proibido de entrar ali, devido a quantidade de tralhas, ferramentas, e outras possíveis coisas perigosas. Eu sempre obedecia, mas vendo-me ali, sozinha, não pude deixar de perder a chance. Sempre imaginava como seria o famoso “quarto”, e então, fazendo todo silencio do mundo, abri a porta e entrei.
Admito que tinha as expectativas altas demais, pois não tinha nada de interessante ali, não para uma jovem menina. Um monte de coisas empoeiradas, bagunçadas e provavelmente quebradas.
Já estava a sair, quando na parede oposta, algo chamou minha atenção. Era um grande porta-retratos, de moldura expeça, e um homem sorridente na foto. Mal pude acreditar, pois era meu sorridente avô! Uma foto grande, que mesmo na relativa escuridão, mostrava-se bem melhor que todas as outras. Sentei-me a sua frente e fiquei por um tempo observando, com um sorriso bobo no rosto.
Teria ficado ainda mais, não fosse o medo de ser descoberta, então logo voltei ao quarto.
De volta a cama, não conseguia entender por que a vó não havia colocado aquela foto tão bonita junto das outras, e minha vontade era de pedir para que o fizesse. Mas aí saberiam que eu havia desobedecido meus pais, e poderia entrar em problemas. A solução que encontrei foi de, sempre que possível, levantar na calada da noite para poder vê-la um poquinho.
Bom, conforme o tempo foi passando, eu fui crescendo, e não era mais uma menininha descuidada. Já entendendo mais do mundo, tomei coragem e falei sobre o quarto. A essa altura, nem meus pais, tampouco minha avó, deram importância, afinal, eu já tinha idade para saber a ter cuidado, mas para minha surpresa, nenhum deles fez menção de se recordar do belo retrato. Não pude acreditar... Como poderiam não lembrar?
Levantei-me e pedi que me seguissem. Iria tirar ele de lá e trazer para um lugar mais bonito.
Abri a porta do quarto, e pela primeira vez, o vi com claridade. Estava banhado pela luz do sol... Luz esta que vinha do quadro. Foi aí que percebi... Nunca houve retrato algum, apenas uma janela.
Sou neta única e nesse dia percebi o quanto estimo meu avô, e até hoje, vez o outra me pego olhando pelas janelas, sabendo que ele continua olhando por mim