Malika

Malika nunca foi normal. Desde que era uma criança, seus pais já haviam reparado no comportamento estranho da menina. Era quieta e gostava de se isolar. Não que isso fosse um problema, afinal são características bastante comuns em crianças, mas com ela era diferente, pois havia também certa crueldade em suas atitudes.

Mesmo com esse sentimento, seus pais sempre quiseram o melhor para ela, que tivesse uma vida normal... Mas não demorou muito para o jeito diferente da menina começar a causar problemas.

Por ser fechada e mal-humorada, tornou-se rapidamente alvo de bullying. Conforme ia crescendo, os ataques iam ficando piores, e mesmo sendo cruel e vingativa, ela não conseguia lutar. Era menor, mais fraca e desprovida de amigos.

Houve um tempo em que Malika chorava todas as noites, não de tristeza, mas de ódio, esperando poder um dia se vingar, até que em uma manhã, depois de um sonho estranho, ela descobriu o porquê de ser como era, de sentir o que sentia. Malika descobriu que podia roubar almas.

No mesmo dia passou a pôr seu novo dom em prática. Era apenas olhar para alguém com a intenção de lhe tomar o espírito, que a pessoa caia.

Ninguém poderia imaginar que ela pudesse ser a responsável, e após ela o pôr em pratica, todos se reuniram em volta da menina que havia desmaiado. Logo chamaram uma ambulância e ela foi para o hospital, onde ficou declarado que estava em coma profundo.

Malika sorriu. Sabia bem o porquê de a rival estar assim e sentia sua alma presa dentro de si. Deixou-a definhando por algum tempo até que achou melhor liberta-la, já havia sofrido bastante.

No mesmo momento a garota acordou, chorando. Estava desesperada, com medo. Só lembrava de estar acordada por todo esse período em um lugar escuro e agora não conseguia nem dormir de tanto medo de fechar os olhos.

Malika adorou os resultados... Era a forma ideal de se vingar de todos que haviam lhe aborrecido, e de uma hora para outra, várias pessoas que haviam cruzado sua vida começaram a cair num estranho e inexplicável coma.

Ninguém entendia, e não havia nada que os médicos pudessem fazer. A única salvação para eles era que a menina se desse por satisfeita e lhes libertasse.

Alguns passaram presos mais tempo, outros menos, mas por fim, todo mundo que lhe havia incomodado tinha sido vítima de seu estranho “dom”, e ela, tornando-se cada vez mais cruel maldosa, começou a se ver sem mais inimigos para atormentar.

Queria continuar a roubar almas e ver o sofrimento que causava, e então, passou a fazê-lo em pessoas que nem conhecia.

Alguém não lhe dizia obrigado após vender algo? coma; Não seguravam a porta do elevador para ela? coma; Lhe esbarravam na rua? coma.

Aos poucos, seus motivos foram ficando mais e mais vagos e qualquer coisa era motivo de causar dor, mesmo que não tivessem lhe faltado com educação.

Malika, por fim, havia se tornando verdadeiramente ruim, e se divertia em ver o caos que tinha se instalado na região. Médicos de todas as partes tentavam entender o crescente número de pessoas que caiam em coma em um lugar tão específico, e o desespero em que acordavam. Já ela, em vez de passar noites chorando, ria com crueldade.

Já havia ultrapassado todos os limites, e um dia, rumo ao trabalho deu de cara com uma senhora de bengala. A mulher havia atravessado a rua, e com um sorriso no rosto, pediu a Malika ajuda para subir o meio fio.

Ela esticou a mão para lhe dar apoio, e então pensou melhor e voltou com a mão. Imaginou como seria ver a velha caindo na rua, e num ato de pura maldade, sugou sua alma.

Desta vez, porém, as coisas não aconteceram como planejado. Malika sentiu o corpo paralisar, e a senhora, que antes sorria como uma inocente velhinha agora lhe encarava como se fosse o mau incarnado.

- Sua ignorantezinha, achou mesmo que tivesse um “dom”? Não, não... Foi só uma brincadeira minha, e... – continuou ela rindo – Você não me decepcionou! Mas não se preocupe, você vai acordar de novo... Vai acordar assim que tiver passado no vazio a mesma quantia de tempo de todas as pessoas que para lá você mandou.

Malika então caiu e viu-se em desespero. Na cabeça, um último pensamento lhe fez perceber que seriam anos ali, e em seguida, viu-se envolta em escuridão.