Água de beber
Cheguei à taverna quinze minutos antes da meia-noite - o horário marcado para o encontro com meu contratante - e já o encontrei à minha espera, sentado num canto obscurecido do salão, envolto numa capa cinzenta e usando um chapéu com uma pena de faisão na cabeça.
- Olá! Você deve ser Maelgwyn - saudei-o.
- Bradwr Voiles? Você é pontual - redarguiu, indicando que me sentasse à mesa com ele. - O que vai beber?
- Apenas uma cerveja. Quero deixar a mente clara para avaliar a sua proposta - repliquei.
- Eu o acompanho - aprovou, fazendo um sinal para o moço que atendia às mesas.
Aguardamos que as cervejas fossem servidas e só então perguntei:
- Você quer que eu lhe traga uma garrafa d'água do poço Levafort?
- Precisamente - acedeu Maelgwyn. - Decerto que já conhece a fama do lugar.
- Bom... supostamente a água do Levafort prolonga a vida de quem a bebe - recordei. - O que me faz especular porque até hoje ainda não foi cercado e vigiado 24 h por dia, a mando de algum poderoso senhor.
- Bem colocado. Consta que há uma maldição para quem rouba água do Levafort... que os locais levam muito a sério; portanto ninguém se atreve a ir até lá.
- Os locais... incluindo você, imagino - retruquei.
Maelgwyn me deu um sorriso amarelo.
- Nós crescemos ouvindo essas... superstições; melhor que um estranho faça o trabalho. Afinal, é para isso que vou lhe pagar 15 peças de ouro, não é mesmo?
Quinze peças de ouro por uma garrafa de água? Não era um mau negócio, ponderei.
* * *
Maelgwyn me conduziu até a entrada da floresta na qual ficava o poço, cercado pelas ruínas de um antigo castelo. Diziam que o Levafort havia recebido suas propriedades medicinais do mago que outrora ali vivera, o qual derramara uma poção curativa em suas águas. Se acidental ou propositalmente, era um ponto a ser discutido.
- Use esta garrafa - disse Maelgwyn, entregando-me um recipiente de vidro azul amarrado a uma corda longa. - E lembre-se que a água do Levafort brilha no escuro, portanto não queira me enrolar enchendo com água de outra fonte qualquer.
- Isso nem me passou pela cabeça - retruquei, ofendido.
E lá fui eu, caminhando pela floresta escura levando uma tocha acesa. Finalmente, avistei as ruínas do castelo e resolutamente me dirigi para o pátio onde estava o Levafort.
- Alto! Quem vem lá? - Uma voz incorpórea me fez parar, tocha erguida.
- Sou um pobre viajante sedento - repliquei, olhando ao redor sem enxergar nada além de sombras. - Posso beber um pouco da água desse poço?
- Desde que esteja disposto a pagar o preço, nada tenho a obstar - declarou a voz.
- E de quanto estamos falando? - Indaguei.
- Preciso do seu nome - redarguiu a voz.
Apenas isso? Fácil demais, pensei.
- Sou Maelgwyn de Champivers - afirmei.
- Pois pode se aproximar e beber, Maelgwyn de Champivers - convidou a voz.
Parei a dois passos da borda do poço e joguei a garrafa com a corda. Pouco depois a puxei, e efetivamente ela veio cheia de uma água que brilhava fracamente num tom azulado. Bebi metade da garrafa e depois enchi-a novamente.
- Fico-lhe muito agradecido, gentil entidade - disse, já me retirando para a saída do pátio.
- Em breve iremos nos ver, Maelgwyn de Champivers - disse a voz às minhas costas.
- Estou certo que sim - repliquei, sem me virar. - Basta seguir esta garrafa e vai me encontrar.
Ao sair da floresta, encontrei meu contratante, aguardando ansiosamente o meu retorno.
- E então? Como foi lá?
- Não vi nada de extraordinário, fora a água que brilha; o povo dessa região realmente anda espalhando boatos sobre entidades malignas e assombrações...
Recebi minhas quinze peças de ouro e caí na estrada, sem olhar para trás. Meses depois, soube que Maelgwyn de Champivers havia morrido em circunstâncias trágicas, após cair num poço e se afogar...
- [17-03-2022]