10.000 Caracteres
Cá estou eu diante de um papel em branco tentando desvendar o mistério em forma de um folhetim que precisa ser entregue até o final do expediente.
A questão aqui é como encaixar o quebra-cabeças em poucas linhas? Qual palavra-chave terei que escrever pra abrir minha pedra de Rosetta?
Coragem, amigo. Se o Cafu precisou passar por nove peneiras pra ser jogador de futebol e chegou lá, por que não conseguiria criar um conto e fazê-lo ser publicado?
No entanto, havia um problema. E dos grandes.
A minha editora-chefe, a senhorita Esfinge, era daquelas de tirar o couro da gente. O pior é que a danada tinha uma beleza estonteante e um par de pernas de dar inveja a Sharon Stone.
Ela veio no meu lado sussurrando marotamente nos meus ouvidos:
- Decifra isso ou será demitido. Ah, e o texto não pode passar de 10.000 caracteres, tá?
Aí o pavor bateu. Já tinha escrito 1000 caracteres sem pé nem cabeça e cheio de clichês.
O que poderia fazer para solucionar o problema? Pensei em falar das minhas peripécias no verão passado ou sobre o tempo que vivi isolado em casa com meus contos protegendo-me de tudo.
O problema é que a senhorita Esfinge já havia rejeitado esses temas.
2000 caracteres se passaram e a desgraça continua insolúvel. Justo hoje foi me dar um branco que poderia ser fatal a minhas pretensões de ser um bom jornalista e um notável escritor.
E pra meu azar, a própria senhorita Esfinge veio pessoalmente ver meu texto.
Tentei então escrever sobre a história de dois irmãos treinadores, mas pelo olhar ameaçador da minha chefe, família não era a palavra-chave do mistério.
3000 caracteres já se passaram. Já estava vendo no horizonte o fim do sonho de ser um brilhante escritor com a porta da rua já a postos pra receber um novo fracassado.
E a danada da Esfinge estava sentada em uma cadeira cruzando as pernas de um lado pro outro.
Então veio a ideia de um casal em crise com o marido passando a noite num motel com muito sexo explícito e durante o dia, sendo um falso moralista que incitava um discurso de ódio contra as mulheres.
Óbvio que a senhorita Esfinge não concordou com a ideia. E 4000 caracteres já haviam se passado.
Minha boca ressecada me deu a ideia de escrever sobre a água como fonte preciosa da vida.
No entanto, a Esfinge havia rejeitado meu texto piorando ainda mais o meu lado. E pra cúmulo da irritação, ela estava tomando uma garrafa d´água bem gelada e sorrindo com o mais falso dos sorrisos.
Cheguei aos 5000 caracteres e nada do texto sair como ela queria.
Tentei então falar sobre o poder da tecnologia ser usado para o mal e até criei o maléfico Dr. Stephenson que queria dominar o mundo usando uma máquina para criar uma tempestade magnética capaz de deixar todos sem Internet.
Mais uma vez a senhorita Esfinge rejeitou o tema devido aos clichês e o texto voltou a estaca zero.
Enquanto isso, todos meus colegas já tinham ido embora da redação e eu ali vendo o sol se pôr, os bares perto da redação ser abertos e o mistério literário não ser resolvido.
6000 caracteres e meu texto segue mais perdido do que cachorro em dia de mudança.
Resolvi criar uma história usando o empoderamento feminino e um pouco de feitiçaria com três jovens e atraentes feiticeiras como protagonistas cuja missão era salvar seu chefe á beira da morte.
Resposta errada. E o problema seguia sem solução.
E a senhorita Esfinge mandando mensagens no Whatsapp pra suas amigas dizendo que vai chegar mais tarde ao happy hour por causa de um cara que não consegue bancar o Sherlock Holmes.
Cheguei aos 7000 caracteres. Estava prestes a arrancar meus cabelos restantes em busca da palavra-chave para esse folhetim e o tempo já estava escasso.
Tentei criar um conto sobre um roqueiro que andava pelas ruas da cidade atraindo criminosos com sua música para atirá-los ao mar igual ao flautista de Hamelin, mas a danada da Esfinge não aceitou o tema e só tinha apenas 15 minutos pra resolver essa coisa.
8000. Tentei então falar sobre um andarilho que percorria pelas estradas usando suas próprias lembranças, mas viagem não era a palavra certa e já via a cara de satisfação da senhorita Esfinge em me mandar pra rua e a tristeza e perplexidade dos colegas que saberiam o motivo bem depois.
9000 caracteres haviam se passado e era hora de arriscar tudo. Escrever algo que ninguém havia tentado antes. Mas tinha apenas cinco minutos e estava tão desesperado igual a um time que estava sendo rebaixado com todos os resultados paralelos a seu favor, e nem conseguindo marcar o golzinho salvador.
E a resposta estava na minha frente o tempo todo.
Era basquete. Havia feito o conto de um jogador universitário que precisava fazer o jogo da sua vida e na final acerta a bola da vitória no último segundo tornando-se um futuro astro do basquete.
Entreguei o texto a senhorita Esfinge e fiquei tenso a espera de sua resposta. Quando vi o sorriso dela ao terminar de lê-lo, percebi que havia feito um bom texto.
- Impressionante, você resolveu o mistério deste texto. Pelo que sei, ninguém escreveu sobre basquete até agora. Posso saber como conseguiu isso?
- Elementar, minha cara Esfinge. O segredo é a originalidade. Agora entendo porquê nunca conseguia fazer um bom texto. É que me preocupava em ser igual aos outros colegas da redação sem ser eu mesmo. Quando resolvi tentar algo inovador, o texto fluiu e esse enigma foi decifrado.
Assim que terminei de falar, a senhorita Esfinge pegou meu texto e foi-se embora editá-lo para a publicação da revista literária de amanhã.
Saí feliz da redação e fui direto ao bar próximo dali pedindo a melhor cerveja e um suculento cachorro-quente.
Fiquei ali assistindo a tevê dependurada na parede do bar que estava passando Chicago Bulls x Milwaukee Bucks.
Era hora de comemorar.
O mistério dos 10.000 caracteres estava resolvido e o caminho havia sido aberto para realizar um sonho acalentado desde pequeno.
A de ser um escritor de verdade.