FAUSTO E O FURGÃO
Fausto era um vendedor de bugigangas. Ele vendia de “tudo”, uma infinidade de coisas: calculadoras, relógios de pulso, roupas, sapatos, brinquedos, panelas, garrafas térmicas, bijuterias, canetas, chaveiros, tapetes, quadros, livros, facas, vassouras, perfumes, etc. Resumindo, ele vendia todo tipo de quinquilharias, bagatelas, cacarecos e ninharias que se pudesse pensar. Acho que se fosse preciso, Fausto conseguia vender até avião caindo, Kombi pegando fogo e navio afundando. Fausto era um vendedor.
O interessante é que Fausto carregava tudo que vendia em um grande Furgão Furglaine Ford, que estava sempre abarrotado de mercadorias. O interior do Furgão era uma bagunça, parecia mais um lixão móvel, cheio de coisas misturadas e entulhadas. O mais surpreendente é que Fausto sempre sabia onde estava cada utensílio que lhe fosse solicitado. Só que o comportamento exótico de Fausto ia muito mais além; como por exemplo, o fato dele viver dentro do Furgão.
Fausto era um homem extremamente obeso e não saía do Furgão para nada. Isso mesmo, para nada. Eu nunca vi o Fausto fora do seu Furgão. Há anos ele morava no Furgão, ali mesmo, no banco do motorista. As pessoas comentavam que Fausto não era desse mundo; diziam (em tom de brincadeira) que ele só podia ser um alienígena espião disfarçado na Terra. Para comer, Fausto estacionava o Furgão em bares e restaurantes estrategicamente escolhidos por ele. Parava o mais próximo possível da porta do estabelecimento e da janela do veículo chamava alguém para atendê-lo. Fazia o seu pedido, e as pessoas levavam e entregavam a comida para ele. Sempre foi assim; Fausto era um cara estranho.
Ele se comunicava muito bem; e por isso era um eficiente vendedor. Mas por conta da sua obesidade mórbida, eu acredito que ele sofria muitas privações, e mesmo assim, corajosamente ele se virava de maneira quase sobrenatural dentro daquele Furgão. Não quero nem imaginar como ele fazia xixi e cocô naquelas condições, tendo em vista que ele nunca saía do Furgão para nada. Fausto desenvolveu sua própria técnica de sobrevivência e também de vendas. Para vender as suas diversificadas mercadorias, ele oferecia aos clientes fazendo suas habituais propagandas, e o comprador interessado precisava ir até a porta do Furgão para escolher, buscar e pagar pelo produto desejado. Fausto jamais saía do banco do motorista; nem para realizar a sua venda.
As pessoas maldosamente brincavam dizendo que Fausto estava entalado no banco do motorista, atrás da direção do Furgão; por isso não saía de lá. Estava preso, como uma rolha. Apesar das chacotas que os insensíveis faziam, a verdade é que Fausto era um homem independente e autossuficiente. Mesmo naquela difícil situação, ele viajava embarcado no seu amado Furgão por todo o Brasil. Acho que ele gostava do que fazia. Abastecia, comia, dormia, defecava, urinava e trabalhava sem sair do Furgão. De repente, se passou um longo tempo sem que Fausto fosse visto. Não se sabe o que houve com ele. As pessoas comentavam que ele tinha morrido e como não conseguiram retirá-lo de dentro do Furgão, tiveram que fazer uma grande cova e enterrá-lo junto do sua casa, do seu refúgio, da sua loja, do seu castelo, do seu caixão, do seu Furgão Furglaine Ford.