A Cigana

Eu saí do trabalho aquele dia pensando em mil coisas. Meu casamento se aproximava e eu ainda não sabia se era aquilo mesmo que queria. Apesar de estar de casamento marcado com Teresa, Marcela nunca saia do meu pensamento. Eu não conseguia esquecer aquele amor de adolescente. Marcela só me desprezou e me fez sofrer. Teresa me ama e quer me fazer feliz. Mesmo assim muitas vezes eu hesito. Sei que não amo Teresa e tenho medo de estar cometendo um grande erro.

Ao passar pela pracinha da cidade algo me chamou a atenção. Alguns colegas de trabalho estavam ali. Riam, gritavam, parecia que estavam zombando de alguém. Não pude deixar de ir ver o que era.

Chegando mais perto, notei a presença de uma mulher idosa que mostrava uma fisionomia cansada. No entanto seus traços mostravam ter sido uma mulher muito bonita. Era uma cigana. Ela lia a mão das pessoas. Todos pagavam para zombar da velhinha. Riam, criticavam, gritavam. Um colega me chamou:

-Otto, venha aqui. A cigana está lendo nossa mão. Venha ler sua mão também.

Ele ria como se estivesse num show cômico.

Eu me aproximei e fiquei observando. Quando ela terminou de ler a mão de uma colega eles me empurraram para o centro e quando percebi a cigana já estava segurando minha mão.

Ela olhou para mim demoradamente, em seu olhar tinha um brilho estranho. Sua fisionomia mudou, ficou parecendo ainda mais velha. Eu senti uma sensação estranha e me senti tremer por dentro.

Ela começou a falar:

-Meu filho, o seu destino é muito ruim e o dela também.

Hesitante eu perguntei:

-Dela? Quem?

-Daquela que vive no seu coração.

Eu estremeci

-E quem vive em meu coração? Minha noiva?

-Você sabe que não. Você nunca foi feliz, não é? E não tem motivo para isto. Mas sente que lhe falta alguma coisa.

-É verdade.

Meus amigos notaram que eu estava tenso e trêmulo e já não riam. Ficaram escutando em silêncio.

-Algum dia eu vou ter comigo aquela que vive em meu coração?

-Não. Vocês têm um carma a cumprir, mas não será nesta vida. Vocês já se encontraram em outras vidas. Já fizeram bem e mal um ao outro. Nesta vida seus destinos correm paralelos e nunca vão se cruzar. Em uma outra vida, quando estiverem preparados para cumprirem o carma, ficarão juntos e viverão um grande amor.

-Mas eu não quero saber de outra vida. Nem sei se isto existe. Eu quero ser feliz e estar com ela nesta vida.

-O seu querer não é o suficiente. A força do destino é mais poderosa que o seu querer.

-Não acredito nisto. O que eu posso fazer pra que ela fique comigo?

-Nada. Você nunca conseguiu definir o que sente por ela, não é? Acha que não faz nenhum sentido.

-Sim. É verdade. E eu vou me casar?

-Sim. Seu casamento vai ser tranquilo mas você nunca vai se sentir satisfeito. Esta sombra sempre existirá.

-E ela? Vai se casar?

-Sim. Mas também nunca vai se sentir plenamente feliz. É o carma que vocês carregam.

-Eu não acredito nestas coisas. É uma bobagem.

-Mesmo que não acredite, tudo vai se cumprir. Seus filhos terão um destino melhor.

-Não vou ter filhos.

-Vai sim. Mas não vai ver seus netos.

-Vou morrer jovem?

-Sua linha da vida não é longa.

-Vou morrer quando.

-Isso eu não posso dizer.

-Charlatanismo.

-Você pode debochar de mim, mas vai ver tudo se cumprir.

-Ah! Eu vou morrer e ela também e ai vamos nos encontrar?

-Vocês vão se encontrar numa outra vida. Quando chegar a hora.

-E quando vai chegar a hora?

-Isso também eu não posso dizer. O futuro a Deus pertence.

-Sei. A senhora quer é me deixar confuso.

-Seu amigo a quem você confia tudo, que conta tudo, um dia também vai lhe trair. E vai lhe trazer muito aborrecimento.

-Meu amigo? Não tenho nenhum amigo que sabe tudo sobre mim.

Então subitamente me lembrei do meu diário que sabia de toda a minha história com Marcela. A quem eu contei, inclusive, todas as vezes que, bêbado, eu troquei o nome de Teresa por Marcela, o que a deixou furiosa. Mas eu sempre tinha uma desculpa e ela fingia acreditar.

-Lembrou quem é o amigo, não é?

Eu não respondi, estava trêmulo.

-O que eu posso fazer pra mudar tudo isto? Quero ser feliz nesta vida.

-Não se muda o destino. Destino a gente cumpre.

-Não quero isto. Estou vivo agora e quero ser feliz enquanto estou neste mundo.

-Você não tem o poder de mudar o que está escrito.

-Pro diabo o que está escrito. E se eu procurá-la?

-Você não vai. Você vai se casar e seguir sua vida e ela vai seguir a dela. Está escrito.

Agora vai, segue seu destino. Ela também está seguindo o dela. Viva seu casamento..

Neste momento, eu despertei de um transe. Meus amigos estavam perplexos e sem entender nada. Eu não disse nada. Paguei a cigana e sai andando. Estava apavorado.

Eu me casei na data marcada. Casei com vinte e poucos anos. Tive um casamento tranquilo mas nunca fui feliz e minha esposa também não. Mas vivemos bem.

Muitas vezes eu vi Marcela e sempre a olhava intensamente e com o objetivo de provocá-la e ela sempre se mostrava encabulada.

Ela se casou alguns anos depois. Nunca soube se foi feliz ou não. Ela era sempre muito fechada e não falava de sua vida pra ninguém.

Tudo que aquela cigana disse se cumpriu. Pouco tempo depois de me casar, Teresa pegou meu diário, fotos, poesias e textos que fiz pra Marcela e que nunca consegui jogar fora. Ela ameaçou se separar de mim. Ela sempre foi meu porto seguro emocional e eu não sabia mais viver sem ela. Pra provar que eu a amava e queria continuar nosso casamento, cedi ao seu desejo de ter filhos, o que eu nunca quis. Tivemos três filhos. São bem jovens ainda.

Hoje estou aqui com quarenta e poucos anos. Gravemente doente. Sei que tenho poucos dias, poucas semanas ou poucos meses de vida. Mais uma profecia dela que vai se cumprir. Sinto por deixar minha família com meus filhos tão jovens. Sinto porque eu nunca fui feliz em minha vida. Mas agora que minha morte se aproxima e eu tenho consciência disto, eu começo a acreditar e esperar o dia de encontrar e poder ser feliz com Marcela, o grande amor de minhas vidas…

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 14/11/2021
Reeditado em 14/11/2021
Código do texto: T7385436
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