O MILAGRE DE NOSSA SENHORA APARECIDA.

-"Você vai mesmo, Ariovaldo?" A pergunta da esposa soou como um desafio. Confiante e decidido, Ariovaldo ajeitou os óculos. Passou as mãos na careca e pediu o boné a irmã Zulmira. -"Eu vou! Deus é o mesmo, Judite. Sou um homem de palavra e vou a pé até Aparecida. Apostei e vou cumprir. Eu mandarei notícias. Devo chegar na terça, dia 12 de outubro, dia da...da...da santa, a mãe de Jesus." Ele gaguejou. -"Vou pelo Samuel, você sabe. Ele está se curando e isso não tem explicação. Se foi milagre ou não, não nos cabe julgar, apenas crer. A evidência está aí, o Samuel está bem e isso foi com intervenção divina, como me disse o doutor Dorival." O homem cinquentão acariciou o porta retrato do filho no aparador da sala. Ariovaldo colocou a mochila nas costas. Os tênis novos nos pés. A calça cargo, cheia de bolsos. O colete sobre a camiseta azul com a estampa de Nossa Senhora Aparecida na frente. O nome do filho sobre a estampa da santa. O nome de Ariovaldo nas costas da camiseta. Os autógrafos da equipe médica na camiseta do romeiro Ariovaldo. -"Pegou o bronzeador, o repelente, dinheiro, creme e escova dental? Tudo certinho, meu bem? Se não aguentar andar os quase 300 quilômetros até lá, desista. Não vai fazer loucuras." A esposa preocupada. Ariovaldo era sedentário e avesso a atividades esportivas. Judite sabia que o esposo faria um grande esforço. -"Vou devagar, Judite. Eu vou ficar bem." O casal se abraçou. Ariovaldo abriu a porta. A equipe de tevê o esperava. Os fotógrafos e repórteres dos jornais da cidade vieram ao encontro dele. Ariovaldo sorriu. -"Isso é coisa do Carlos. O filho da mãe chamou a imprensa. Ele me paga." As entrevistas e fotos começaram. -"Estamos aqui com o senhor Ariovaldo. Ele vai fazer uma romaria a pé, de Sorocaba até Aparecida do Norte. Uma semana, mais ou menos, de caminhada. Está confiante, seu Ariovaldo?" Enquanto respondia, o Fusca de Carlos parou em frente a casa. O rapaz saiu e começou a filmar com o celular. Carlos acenou para o amigo. -"Vai cumprir uma promessa, seu Ariovaldo? Uma graça recebida?" O repórter insistia em tirar o máximo de informações do romeiro. -"Isso mesmo. Meu filho, Samuel. Ele sofreu um acidente, nada muito grave mas os exames detectaram uma doença rara. Um tratamento caríssimo e sem muitas esperanças de cura deveria ser realizado às pressas, aqui no Brasil. Uma cirurgia nos Estados Unidos talvez garantisse uma sobrevida. Um quadro desesperador. Os médicos disseram que meu filho tinha meia dúzia de meses de vida apenas." Carlos ficou parado, vendo a entrevista do amigo de escritório. A família de Ariovaldo veio para perto dele. Os repórteres estavam emocionados. -"Samuel começou o tratamento e seu estado piorou. Emagreceu demais e entrou em coma até. Os médicos me disseram que não tinha solução, o quadro era irreversível. Samuel não resistiria nem a viagem aos Estados Unidos embora uma campanha pela internet pudesse recolher o dinheiro necessário para a viagem e para os custos do hospital de Massachusetts." Judite entregou um cajado ao esposo. O casal se abraçou e pousou para fotos. Carlos bateu no peito e apontou para Ariovaldo. O romeiro sorriu e continuou. -"Sou evangélico, minha família toda é. Oramos muito pela recuperação de Samuel. O pastor Elias e toda a comunidade realizou vigílias, clamando por uma ajuda divina e realmente cremos que ela viria em favor de nosso filho. Um anjo, em sonho, me revelou que não tinha mais jeito, que Samuel já estava a caminho da casa do pai do céu, a missão dele tinha terminado nesse plano terrestre. Eu deveria me conformar. Cada vez que o telefone tocava, lá em casa, era um pesadelo pois sempre pensávamos que era o hospital chamando pra dar a notícia da morte do nosso Samuel. Um jovem de trinta anos, com uma noiva e tanta vida pela frente." Um outro carro. A filha mais velha de Ariovaldo veio ao encontro dele. Samara gritou. -"Pai. O Samuel abriu os olhos. Ele chamou pelo senhor. Falou pai, bem baixinho mas falou." Sem ligar para as equipes de tevê, a moça o abraçou. -"Verdade? Ele falou?" Ariovaldo abraçou a esposa. -"Vou começar minha romaria agora, certo da total recuperação do meu filho, por intercessão de Nossa Senhora Aparecida." O repórter aproveitou a situação. -"Estamos ao vivo. O romeiro Ariovaldo acaba de receber notícias do hospital, onde o filho se recupera. Boas notícias de que o tratamento está evoluindo." Ariovaldo chamou Carlos e o abraçou. -"Continuando. Na época da descoberta da doença e do diagnóstico que não tinha cura nem esperanças ao Samuel, me deram uma semana de afastamento do trabalho, onde todos já davam como certa a morte de meu filho." Ariovaldo embargou a voz mas continuou. -"Menos esse cara aqui. O Carlos estava há menos tempo na empresa e eu não tinha muita amizade com ele. Era de outra religião, tinha sempre uma imagem de Santo Antônio na mesa dele e dava me vontade de quebrar aquilo pois sempre odiei imagens. Eu ajuntei minhas coisas e saia da firma quando o Carlos me alcançou no estacionamento. Ele me disse que estava rezando pela recuperação do meu filho, colocou o nome dele na corrente de oração da igreja, nos grupos de whatsapp, etc. Eu o agradeci. Então, ele me deu uma imagem pequenina de Nossa Senhora Aparecida e pediu que a colocasse nas mãos do Samuel. Ela é mãe e vai pedir a cura a Jesus, o filho sempre ouve a mãe, ele me disse. O Samuel vai se curar, eu acredito, ele disse olhando nos meus olhos. Eu dei uma gargalhada, confesso. Não dei bola nem crédito. O Carlos me propôs uma aposta. Se o Samuel se recuperasse, eu iria a pé até o santuário de Aparecida, vestido de romeiro, com a camiseta da santa e o nome do Samuel. Demos as mão e selamos a aposta." Carlos estava ao lado de Ariovaldo. Ele apontou para a câmera. -"Tudo verdade." A entrevista continuou. -"Escondido da minha esposa, coloquei a imagem da padroeira na mão de meu filho, sob o lençol da maca. Fui até a capela do hospital e orei. Por um segundo apenas pensei na imagem da santa, só pensei. Pedi que, se tivesse um tempinho, olhasse para meu filho e o ajudasse embora eu não tivesse mais esperanças. Isso foi há três semanas. Dois dias depois, o quadro clínico do Samuel se estabilizou, coisa que não tinha acontecido ainda pois só piorava. No terceiro dia, os médicos notaram uma pequena melhora, os medicamentos surtiam efeito e os sinais vitais reagiam. Mais exames e a conclusão de que o quadro clínico melhorava a olhos vistos. Fomos chamados ao hospital e tivemos a notícia estupenda que a doença estava sendo vencida aos poucos. Era um milagre, diziam os médicos. O Samuel, provavelmente, não precisaria ir aos Estados Unidos e isso era maravilhoso. Liguei para o Carlos, eufórico e muito feliz. Pode mandar fazer a camiseta e se prepara pra pagar a promessa, Nossa Senhora Aparecida é poderosa, ele me disse." Ariovaldo pisou o asfalto. -"Até mais, pessoal. Lá vou eu rumo a Aparecida. Tudo mudou quando coloquei a imagem nas mãos do meu filho, tenho a certeza que ela intercedeu ao Deus do impossível para a melhora do Samuca, que logo estará bem, entre nós. Um abraço." Ariovaldo se despediu dos familiares e de Carlos. Os vizinhos aplaudiam. Os carros buzinando. A bandeira do Brasil nas costas do romeiro. Ariovaldo começava sua romaria. Carlos acompanhou o amigo até a saída da cidade. A rodovia extensa. O acostamento. Os carros, ônibus e caminhões passando velozes. -"Segue o mapa e manda fotos no zap, Ari. Se precisar de alguma coisa, me chama." Eles se abraçaram. -"Não preciso de mais nada, Deus já me deu tudo. Gratidão. Será como fazer o caminho de Compostela, não?! Devagar e sempre, essa é a idéia. Bora lá, Carlão. Samuel, eu te amo." Gritou Ariovaldo nos primeiros passos na rodovia. Empolgado, esqueceu de almoçar. Os primeiros quilômetros trouxeram as câimbras nas pernas e ele resolveu descansar num posto de gasolina. Algumas pessoas o reconheceram e quiseram tirar fotos com ele. -"Rapaz, vai devagar senão vai chegar numa ambulância. Ande no máximo seis horas por dia, sem forçar." Aconselhou o frentista do posto, com o qual fez amizade. Um lanche rápido e horas descansando. Os carros buzinando ao passar por ele. As bolhas nos pés. O suor escorrendo. O cajado ajudava muito. A noite caiu. Uma olhada no mapa e viu que tinha muita distância pela frente. As garrafas de água vazias. -"Força, Ariovaldo. Não desista." Ele dizia a si mesmo. Outro dia. Caminhava orando e cantando hinos de louvor. A primeira parada em São Roque. Um hotel a beira da estrada e um encontro com ciclistas que iam pra Aparecida. Ariovaldo ganhou amigos e isotônicos. Mandou fotos pra família. -"Cara, você é um guerreiro, eu me arrepiei com sua entrevista na tevê. Parabéns." Disse um dos ciclistas ao romeiro. -"A noite não dá, vou dormir um pouco." Num posto de gasolina, Ariovaldo ganhou jantar do dono da loja de conveniência. -"Tem um quarto nos fundos, pode dormir lá, se quiser." Ariovaldo não acreditava que estava recebendo tanto carinho e solidariedade das pessoas durante sua jornada. Ele ganhou lanches e aplausos dos funcionários do posto, após a retomada da caminhada. -"Oh, saudade da comidinha lá de casa, do sofá! Vamos em frente." De novo a rodovia e o sol escaldante. O perigo do acostamento. Ele sentiu algo gelado nos pés, ainda longe de Osasco. Tirou os tênis e as bolhas tinham estourado. O sangue encharcou as meias. Ele sentou-se a sombra de uma árvore. A pomada milagrosa. O carro da equipe de tevê parou. -"Encontramos nosso romeiro." Gritou a repórter. Agora ele era o romeiro oficial de Sorocaba. O rapaz da câmera filmou os pés vermelhos do caminheiro. -"Está animado, seu Ariovaldo? Tem alguns dias de caminhada ainda, vai chegar lá magrinho, einh?" Brincou a repórter. -"Vou nada, esse povo não deixa pois ganhei tanta coisa nos postos! É incrível receber tanto carinho e ver a alegria das pessoas comigo, que eles nem conhecem. Que nunca viram mais gordo. Sou muito grato por tudo, principalmente ao inventor do Bandaid. Aprendi que tenho um ritmo, é exaustivo querer andar mais de sete horas diárias. Estou aprendendo muito nessa jornada. Acho que é esse o sentido, aprender. Obrigado por me alcançarem, fiquei feliz." A repórter o abraçou. -"Nós que estamos felizes, seu Ari. Está sendo muito bom acompanhar sua jornada, creio que está inspirando a muitos. Está quase perto da capital agora. Nos vemos em Aparecida, estaremos lá para registrar sua chegada a casa da mãe." Ariovaldo seguiu viagem. As barrinhas de cereais que a esposa colocou na mochila. Ele se lembrou da discussão com ela. -"Não vou comer isso, parece um monte de besouro amassado com mel." Ela colocou uma dezena de barrinhas na mochila. -"Isso substitui uma refeição. Deveria saber disso pois vive assistindo Largados e Pelados na tevê." Ele comeu uma barrinha de banana com chocolate. -"Judite tinha razão, é uma delícia e sustenta." A noite se aproximando. Ele andou por um dia inteiro, num ritmo mais lento pra evitar as câimbras. Uma parada estratégica, próximo ao aeroporto de Guarulhos, onde não teve tanto calor humano. Muitos olhavam para ele com curiosidade. Eram poucos os que o incentivavam. Um banho gelado, num chuveiro de um posto de gasolina. Ele se ajeitou numa rede de uma oficina abandonada. Mesmo assim, agradeceu por ter onde dormir. -"As aves do céu têm onde dormir mas o filho do homem não tem onde reclinar sua cabeça, disse Jesus. Ariovaldo, vamos descansar pois o tempo ruge e a Sapucaí é grande." As mensagens e fotos para as redes sociais, antes de dormir. Dois moradores de rua se juntaram a ele no local. Ariovaldo se assustou. -"Fica calmo, colega. Firmeza. Somos da paz." Ariovaldo falou que era romeiro e ia pra Aparecida. -"Vimos o senhor na tevê do bar." Disse um deles, atento aos pés do caminhante. -"Se o senhor têm três meias, coloca as três no pé, vai proteger melhor, chefia. Andar no asfalto não é mole não." Aconselhou um deles. Os primeiros raios de sol. Ariovaldo não viu os dois moradores de rua. Ele se preparava pra reiniciar a caminhada. -"Esse trecho é longo e muito importante, até São José dos Campos. Que Deus me ajude a conseguir vencer essa etapa." Ele se pôs a caminho. De fato, as três meias aliviaram os passos e ele mal sentia as bolhas nos pés. De novo a rodovia e o sol. Os veículos velozes. Ele olhou para trás. Dois sujeitos o seguiam. -"São assaltantes, só pode. Meu Deus." Ariovaldo aumentou o ritmo mas os dois homens o alcançaram. -"Moço. Espera a gente. Vamos até o pedágio." Ariovaldo parou e reconheceu os dois moradores de rua. -"Que bom. Terei companhia." Um deles lhe estendeu uma sacolinha. -"Pega aí. Seu café da manhã. Fomos até a padaria e contamos que você era o velho, o romeiro que estava indo pra Aparecida. O dono da padóca mandou esses lanches pra você. Voltamos pra oficina e você já tinha saído." Ariovaldo se lembrou da passagem dos discípulos de Emaús, que caminharam com Cristo e o reconheceram no partir do pão. -"O seu Toninho, dono da padóca, deu até lanche de peito de peru pra gente. Disse que tem vontade de ir a pé até Aparecida mas não pode." Os carros buzinando. -"Viramos celebridade, estão até buzinando pra gente. É a primeira vez na minha vida que eu como lanche de peito de peru e devemos isso a você, romeiro." Ariovaldo se despediu deles, após o pedágio. -"Andamos um bom trecho juntos, quatro horas talvez. Vão com Deus, amigos." Ariovaldo ficou parado, vendo aqueles dois homens indo na direção da cidade. -"Estava com tanto medo desse trecho e Deus mandou esses anjos pra me fazerem companhia. Foi tranquilo, vir conversando foi bom. O medo estava na minha cabeça." A caminhada foi retomada. Um posto de uma rede de conveniência, mais a frente, a beira da estrada. -"Posto Graal. Graal, esse era o cálice que, segundo a tradição, Cristo teria celebrado a ceia da páscoa. Os guerreiros cruzados teriam escondido o cálice sagrado." Ariovaldo ganhou, do gerente do posto, almoço e lanches para o resto da jornada. -"É um prazer receber um romeiro famoso, seu Ariovaldo." Disse-lhe o gerente. As pessoas felizes, tirando fotos com ele. -"Trouxe dinheiro e até agora não gastei quase nada. O povo não deixa." Ele riu. Uma turma de doze motoqueiros o cercou no estacionamento do posto. Ariovaldo quase teve o braço arrancado com tantos apertos de mão e abraços apertados. Os motoqueiros faziam perguntas e queriam tirar fotos, além de querer saber sobre a vida dele, a caminhada, as bolhas nos pés. -"Não está levando cruz, sobe na moto, seu Ariovaldo. Nós o deixaremos em Caçapava." Ele recusou o convite do motoqueiro. -"É tentador mas deve percorrer todo o caminho a pé. Obrigado, amigos." Eles o escoltaram por um quilômetro, na rodovia. Ariovaldo ficou feliz ao ganhar uma camiseta do clube de motoqueiros. -"Assim é a vida, no caminho da salvação há tentações. Seria cômodo ir de moto mas não é certo." Era noite quando parou em Caçapava. Uma parada e o pernoite numa pensão. A manhã e seu frescor. Ele seguia firme pelo Vale do Paraíba. As notícias sobre Samuel o enchiam de vigor e ânimo. Judite filmou o filho fazendo sinal de jóia ao pai. -"Estou caminhando com você, velho." Disse Samuel no vídeo. Judite sorria, ao lado do filho. -"Ari. O Samuel está no quarto, saiu da UTI. Ele está ansioso pra te abraçar e voltar pra casa pra você fazer aquele churrasco, ok? Amamos muito você." O vídeo fez o romeiro parar e respirar. -"Isso é pra derrubar o velho. Agora vou chegar lá." Ariovaldo calculou que deveria andar um pouco a noite, a fim de chegar no tempo previsto. -"É perigoso andar só a noite. Vou até umas nove horas. Taubaté e Roseira ainda estão longe. Nesse ritmo de tartaruga, chegarei em novembro a casa da mãe." Ele riu pois era a primeira vez que falava casa da mãe, em referência ao santuário. -"Já estou até chamando a basílica de casa da mãe. É para o colo da mãe que a gente vai quando estamos em dificuldades, não? Maria aos pés da cruz, na hora da morte de Jesus. Ah, minha mãe, que saudades da senhora, dona Ofélia." Durante a caminhada, ele ia revivendo algumas passagens bíblicas e aplicando a sua experiência de caminhante. As horas passando. A noite fria. A solidão da estrada. A blusa com faixas reflexivas pra ser visto pelos veículos. Uma parada para fazer alongamento. Um bar, a beira da estrada, com música ao vivo. -"É um antro de perdição e pecado mas vou ter que entrar. Preciso de uma Coca Cola pra espantar o sono." Ele entrou no bar. Quis pagar pela garrafa de Coca Cola mas o dono do bar não aceitou. -"Gente. Palmas para o romeiro de Aparecida." Gritou o dono do bar. Um violeiro começou a cantar Romaria, de Renato Teixeira. As pessoas cantando junto. Ariovaldo não sabia a letra toda. Ele com vergonha e arrependido de ter entrado ali. Ariovaldo saiu, após fotos e abraços calorosos. Ele ganhou doces, chocolate e balas. -"Perdão, Senhor. Chamei aquele lugar de antro e fui tão bem recebido. Essa jornada está me ensinando preciosas lições." O cansaço bateu. -"Vou parar e descansar. Não é aconselhável caminhar a noite. Ele parou junto a uma lanchonete, onde caiu no sono. Ele dormiu com os fones de ouvido, abraçado a mochila. As estrelas no céu. Bem cedo, resolveu caminhar devagar. Sete horas depois, as primeiras placas com o nome da cidade de Aparecida, indicando que estava chegando ao final da jornada, arrancaram-lhe um sorriso. Ele tirou uma foto da placa e a postou nas redes sociais. -"Agora sim, estou na direção certa. Vamos tomar café, barrinhas com maçã e Toddynho quente. Tá ótimo." Morros, rios, pontes, a vegetação, Ariovaldo curtia cada momento da jornada. Outros caminhantes seguiam na mesma direção. Ariovaldo tinha companhia na jornada. A estrada cheia de romeiros. Outra noite e outra parada pra descansar. Outra manhã e a caminhada retomada. Um dia todo andando devagar. Os romeiros mais jovens passando velozes por ele. -"Bóra, irmão. Força na peruca." Ariovaldo se divertia. -"Carro velho também anda e chega, meu jovem." Tempo depois, ele tirou o chapéu camuflado ao ver a cúpula da basílica aparecer no horizonte. A roupa toda suada. As mensagens de bom dia da família e amigos. A ligação pra equipe da tevê. -"Repórter Deyse? Sou eu, o romeiro Ari. Estou entrando em Aparecida, graças a Deus." As câimbras nas pernas voltaram. As costas doíam. Mais um pouco de caminhada e ele estaria na cidade, a caminho do portão de acesso ao grande estacionamento da basílica, já cheio de ônibus de romeiros, de todas as partes do país, como ele. Muitas pessoas sorrindo e o cumprimentando. O portão do estacionamento. A equipe de tevê o aguardando. Carlos estava com eles e abraçou o amigo. Os dois emocionados. -"Cara, achei que você não ia conseguir. Estou orgulhoso de você, Ari " Ele gostou muito de ouvir aquilo. Carlos lhe deu uma garrafa de água gelada. -"Que delícia. Preciso de um banho. Será o banho mais gostoso da minha vida." Ariovaldo se ajoelhou e agradeceu. Pensou na família, especialmente no filho. A entrevista longa e emocionante. -"Estou cansado mas feliz por completar a jornada e cumprir a promessa. O mais importante é que meu filho está bem." As fotos. A equipe de tevê o acompanhou até a igreja. Ariovaldo entrou na fila de romeiros que passariam aos pés da imagem de Nossa Senhora Aparecida. Carlos estava atrás dele. O homem encarou a imagem, no alto. Ariovaldo e a imagem da padroeira. -"Obrigado." Uma prece interna, um momento de silêncio. Um momento só dele. Naquele exato momento, longe dali, Samuel estava recebendo alta do hospital. Ariovaldo e Carlos foram para um hotel. -"Nunca vi uma igreja tão grande, com tanta gente!" Disse Ariovaldo. O romeiro precisava de um banho e um descanso merecido. Ariovaldo tirou uma breve soneca. Ele e Carlos passearam pela cidade. Após o almoço, eles voltaram para Sorocaba. -"Quer descer do Fusca e ir a pé, Ari?" Brincou Carlos, arrancando uma careta do outro. -"Não aposto mais nada contigo. Não vejo a hora de voltar pra casa." Carlos sorriu. Algumas horas depois, eles chegaram a Sorocaba. -"O que está acontecendo? Está me escondendo alguma coisa, Carlão?" Tinha uma multidão em frente a casa de Ariovaldo. Cartazes, faixas e bexigas coloridas. A família dele o recebeu com carinho. Carlos abraçou a esposa. Os vizinhos aplaudiram a chegada do romeiro. Judite abriu a porta do quarto. -"Tem alguém aqui o esperando, Ari." Ariovaldo tirou o boné. Samuel estava na cama, sorridente e de braços abertos. -"Meu herói." Disse o moço. Ariovaldo correu e abraçou o filho. -"Você teve alta, filho? Graças a Deus." O choro compulsivo. A família emocionada. Samuel abriu a mão direita, revelando a pequena imagem da santa padroeira do Brasil. -"Carlos disse que tem uma sala das promessas lá, no santuário! Um lugar onde há objetos referentes a milagres. Quero levar essa imagem pessoalmente lá, meu pai. " Disse o jovem. Ariovaldo concordou. -"Se Deus quiser, filho. Eu faço questão de ir com você mas não a pé." Judite e a filha abraçaram Ariovaldo. -"Nós também iremos." Disseram juntas Judite e Samara. -"Parece que Nossa Senhora ganhou mais alguns devotos." Disse Carlos. FIM

marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 11/10/2021
Reeditado em 12/10/2021
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