A COR MISTERIOSA (o caso da usina química)



 
Pedra do Monte era uma cidadezinha histórica, tipicamente mineira, com seus moradores pacatos, sempre a degustar pães de queijo e o bom cafezinho da terra. Ali o tempo passava mais devagar, sacudido às vezes pelo apito da velha locomotiva, a transportar minérios sabe-se lá para onde.

Ao cair da tarde, as cadeiras eram deslocadas para as calçadas, a fim de se cumprir o sagrado ritual diário do falar do próximo. Contudo, algo diferente pairava no ar, denunciado pelo uso de máscaras. A monotonia imperava, exceto em alguns poucos momentos:


 
— “Arreda prá lá Rufino; invém o Bilau numa carrêra doida, sô” — Dona Fia exclamou, a tempo de impedir uma tragédia!

 
Bilau passou ventando, chegando a derrubar a cadeira do velho Rufino, maquinista aposentado e pleno de “causos” para relatar.

 
— “Népucíve, esse cachorrinho é o capeta; num sossega nunca” — Mas, no fundo, no fundo, seu Rufino gostava do "danadinho”.

 
“A vida é um mistério profundo”, ou “há mais mistérios entre o céu e a terra...”; todos já ouvimos tais colocações; mas, reside neste ponto da narrativa, amigo leitor, a ocasião propícia para não mais duvidar destas velhas máximas. Quem tem um exemplar, e sabe se comunicar com seu pet canino, compreende bem a capacidade de assimilação de comandos, palavras e atitudes pelo animalzinho; Bilau, nosso conhecido fox terrier, vizinho e companheiro de Ed Ronaldo, porém, assombraria o mundo, caso suas habilidades mentais viessem à tona:

 
“Foi aqui sim, no final desta ladeira, onde a viela vai desembocar naquele matagal... foi aqui sim, tenho certeza... avistei aquele coleguinha azulado, e o espertinho correu até a braquiária alta, lá no cume” — Bilau mentalizava velozmente!

 
Aqui cabe uma breve explicação: Bilau, assim como a cacatua Baretta e diversos outros moradores animais de Pedra do Monte, foram vítimas de abdução por extraterrestres, episódio solucionado por Ed Ronaldo, ao engatar sua carreira de averiguações, conforme já vimos, no caso da trilha perdida. A questão subentendida, no entanto, foi o desenvolvimento de habilidades especiais pelos bichinhos, após o contato alienígena.  Em verdade, houve uma espécie de “upgrade”, quando do contato imediato, sendo nossos amiguinhos aprimorados e devolvidos.

 
“Não sei o motivo de tanta surpresa... sempre raciocinei de forma lógica; a única mudança é o fato de agora conseguir concatenar as ideias no idioma humano de nossa região. Inclusive, Ed não seria possuidor de suas habilidades, sem minha orientação.”

 
Foi quando o faro invejável do terrier denunciou a nova investidura do estranho canino celeste. Latidos investigativos insistentes foram logo captados pelo invasor, e respondidos de maneira óbvia. O problema se situa no fato da absoluta incapacidade de assimilação demonstrada por nós mesmos, limitados humanos; passemos então a traduzir:

 
— Amigo, estou por aqui há 4 anos, e nunca o vi por estas bandas; sou o Bilau; a propósito, qual a vossa raça?
— “Tenho todas as raças”, já que pertenço ao mundo, sempre vagueando, meu caro fox.
— Então, você é o que os humanos chamam de vira-lata? Já tinha ouvido falar de irmãos de pelagem azulada, tipo os “blue heeler”... mas, neste tom intenso e antinatural?
— Bem, devo me apresentar. Meu nome é Vagamundo e não nasci assim; minha tonalidade original é branca, com grandes sardas negras.
— O que houve, então, cachorro-de-Deus??
— Bilau, sua fama já se estendeu a terras distantes. Por isso cheguei até aqui. Preciso de sua ajuda, e do seu mascote humano; aquele metido a detetive.
— Desembucha logo, ó cão!
— Se seguir por essa trilha, até cerca de 7 ou 8 Km daqui, sentido oposto à encosta encarnada, você irá se deparar com uma antiga oficina abandonada. Trata-se de uma fabriqueta de plásticos e tintas poluentes, com vários barris abertos pelo tempo, contendo uma substância em pó. Durante uma tempestade, cometi o erro de me abrigar num daqueles tonéis, já que precisava me secar; daí... acordei assim.
— Já tentou se lavar?
— Eh... não sou muito dado a banhos. Devo ressaltar porém, que o produto não se dissolve na chuva. Estou me sentindo bem; pensei até em me oferecer para adoção a um cruzeirense; o que acha?
— Caro Vagamundo, acompanhe-me; uma ducha de alta pressão vai resolver seu problema; sei de um lava jato perto daqui...

 
Naquela tarde, já devolvido à sua cor natural, o errante Vagamundo, agradecido, partiu para destino incerto. Não possuía espírito sedentário, e a estrada era sua razão de vida.

Bilau, sabedor de suas responsabilidades, não poderia se contentar com apenas uma limpeza de pele alheia. Sabia que outros irmãos poderiam estar em risco, já que o sulfato de cobre é um composto potencialmente tóxico.

 
“Como sei disso? Ora senhores, nada mais elementar: qual outra substância, em forma de pó, útil para a produção de polímeros e tintas, cujo contato pode desencadear uma reação em tom anil, senão o sulfato de cobre? Claro como água de rocha!”

 
Ed Ronaldo, iniciando sua primeira refeição matutina, ainda cedo, por volta de 11h38min, cravados no seu mostrador marxista, interessou-se por um exemplar da “Folha Pedrense” da semana anterior, estranhamente trazido por Bilau. A manchete principal destacava: “Vigilância sanitária procura responsáveis por fábrica clandestina, abandonada às pressas, após denúncia de armazenamento inadequado de produtos tóxicos. A Prefeitura Municipal e a Polícia Civil instituíram recompensa monetária a quem passar informações relevantes.”

 
— Bilau, agora sim! — o olhar de rapina de Ederson Ronaldo voltara, implacável e definitivo — já sei como repor meus equipamentos abduzidos no Morro do Querosene!

 
Bilau latiu, esfuziante:

 
— “Já não era sem tempo! O Ed anda meio enferrujado; se não fosse eu...”
 
 




 
 
Obs 1) Inspirado na notícia: Cachorros com pelos azuis são vistos na Rússia, e isso não é nada bom.” – Tilt Uol, 19/02/2021, 19h03.