Soliloquium de Diabolus
Brusque - SC, 7 de junho de 1995.
Era noite fria de uma terça-feira. Andando pela rua suja e deserta da minha cidade pacata, preocupado com dívidas, parei debaixo de um poste, acendi um cigarro e fiquei pensando sobre a vida. Ali estava apenas eu e alguns animais da vida noturna.
Rapidamente veio a ideia de vender as terras de minha família, morávamos num sítio que ficava na cidade, a venda do terreno facilmente resolveria meus problemas.
Me sentia angustiado e de repente uma vontade incessante de ver sangue toma conta de mim. Fiquei desorientado e decidi voltar para casa.
Caminhando de volta, pensamentos errôneos surgiram em minha mente, meus demônios estavam bramindo por sangue.
Ao chegar em casa, tentei abrir a porta e não consegui, meus pais estavam dormindo. Procurei minhas chaves e não as encontrei. Tive que pular a janela do quarto dos meus pais, lá estavam eles adormecidos... fiquei horas reparando.
Prontamente pensei que se eu desse um fim neles, o herdeiro daquelas terras seria eu, então facilitaria a venda, assim, pagando minhas dívidas. Desde então, o desejo e o anseio pela destruição crescia ainda mais.
Impulsivamente apanhei um pedaço de madeira que encontrava-se no chão e comecei a golpeá-los sem parar. Eu amava todo aquele sangue jorrando pelas paredes, me sentia único... sensações únicas emergiram em mim.
A gana pela libitina crescia cada vez mais. Fui ao quarto dos meus irmãos mais novos. Fiz o mesmo com eles. Logo, me sinto aliviado, com desejo cessado.
Minha consciência desperta e me amargura com a questão: “o que fazer com aqueles corpos?”
Dirijo-me ao quintal. Encontro uma árvore Aroeira, a qual me trazia boas lembranças, pois a plantei quando pequeno, eu tinha uns 5 anos. Brinquei muito naquela área, vivi momentos maravilhosos.
Decidi celeremente que seria ali mesmo.
Depois de anos, as lembranças boas que tive naquele lugar, tornaram-se ruins.
Logo abaixo da árvore, começo a cavar bem fundo.
Um a um, os coloquei naquela cova deprimente.
Primeiro pus meu pai, José, um homem ao qual havia me ensinado tantas coisas, eram tantas lembranças....
Em seguida, minha mãe Paula, mulher que me deu a vida, uma santa... minha mãe.
Após eles, coloco meu irmão Vitor e minha irmã Daiana. Eram crianças, tinham uma longa estrada pela frente, mas meu desespero e o desejo intenso, quase irrefreável, pelo perecimento, impediu que eles seguissem seus planos. É... estava no destino.
No dia seguinte, procurei alguém para comprar o terreno. Encontrei um empresário que buscava justamente o que eu oferecia. Ele se chamava Francisco Almeida. Sem dúvidas, o dinheiro proposto solucionaria definitivamente meus problemas. Francisco me disse que pensaria mais sobre e logo me daria a resposta.
Os dias passam... nada do empresário me responder e cada vez eu ficava mais tenso, preso em volta de mentiras.
Amigos vieram à procura de minha família. Dei a desculpa de que eles estavam viajando. Mas logo notaram que havia algo errado.
Sexta-feira, 14h.
Um cachorro estava andando pelo terreno agora opaco, sem vida e pungentemente aflitivo.
Notei que ele se aproximou da árvore e começou a escavar. Meu coração, ainda que sob trevas, gelou. Olhei pela janela e vi que o animal havia encontrado o braço da minha irmã para fora da terra...
Era triste, a enterrei ainda com vida. Ela tentou escapar mas não conseguiu. Isso me pesou.
O animal saiu latindo pela porteira e foi de encontro ao dono. Alvoroços formaram-se. Vizinhos chegaram ao local e encontraram a cena brutal. Chamaram a polícia e, não tive saída, confessei o crime.
Quanto mais escondemos a verdade, mais ela se torna visível aos olhos alheios. Todos ficaram sabendo do ocorrido, me tornei a pessoa mais odiada da cidade, fui para as capas dos jornais da época, estive em matérias nacionais.
Fui preso. Passei por coisas terríveis na cadeia. Um verdadeiro inferno.
Hoje, 25 anos depois, eu, Carlos, tenho 47 anos de idade e estou livre. Posso dizer que o arrependimento não muda o passado, mas traz novas oportunidades de ser melhor no futuro. Tento seguir minha vida normalmente, mas aquele ocorrido ainda me persegue. Tenho pesadelos e visões desde daquele dia. Estou morrendo aos poucos e não posso desejar nada além da morte.
Todos os dias me pergunto, “por que isso estava no meu destino?”
Uns me julgam psicopata, outros falam que tenho problemas mentais, muitos dizem que sou o diabo... mas afinal, o que ou quem sou eu? Busco respostas para tal e entro numa oscilação infinita de ilusões e questionamentos sobre a realidade... aliás, que realidade?
*Conto baseado em um fato ocorrido numa cidade do interior nordestino.