O Homem da Cartola
Como fiz na maior parte de minha vida, saí para trabalhar antes de o sol nascer, mas, nesse dia, me deparei com algo muito estranho e que de imediato me causou certo pavor: um homem usando uma cartola parado à beira da estrada com a postura curvada, imóvel. Com as mãos atrás das costas, acompanhava o meu caminhar como se estivesse me analisando. Alto e esguio. Uma figura muito incomum. Forçando a visão, me pareceu se tratar de um homem ainda jovem. Parei por um segundo, com o corpo atravessado por um calafrio, cogitei ir por outro caminho, mas me lembrei de que aquela estrada mal iluminada era o único.
Continuei andando pelo meio da estrada e passei pelo homem. Olhando de soslaio, pude perceber que ele me seguia com a cabeça, confirmando que realmente estava a me observar. Segui meu caminho e o sujeito continuou lá, parado como uma estátua. Era um tipo realmente estranho. Eu não tinha nenhum motivo para pensar tanto naquilo ao longo do dia, mas não conseguia tirar da cabeça a sensação quase sobrenatural de pavor que aquela figura me provocara. Voltei para casa à noite imaginando se me depararia com o sujeito na estrada de novo. Porém, ele não estava lá. O caminho estava deserto como sempre. Resolvi, finalmente, deixar isso para lá.
No outro dia, como de costume, me levantei bem cedo. Preparei um café forte, vesti meu velho uniforme e parti para a minha longa jornada de trabalho. Já tinha me esquecido do homem que vira no dia anterior. Por isso, quando o encontrei lá, parado como uma estátua mais uma vez, levei o mesmo susto. E o arrepio voltou a percorrer meu corpo. Passei por ele de novo e, se não fosse por sentir seu olhar sobre mim enquanto caminhava, diria se tratar de um manequim esdrúxulo.
Ao voltar à noite, não havia sinal daquele sujeito estranho, todo curvado, usando cartola. Mas eu não conseguia esquecer sua imagem e o assombro que ela me causara. Cheguei em casa caindo de sono, estava muito cansado, não havia dormido bem na noite anterior. Tirei as botas e deitei na cama ainda com uniforme, adormeci em poucos segundos. Não sei que horas eram exatamente quando acordei no meio da madrugada com um estalo. “São os móveis velhos da casa se retraindo depois de um dia quente”, busquei logo uma explicação. Mas, ao me virar para a janela – que sempre tive o costume de deixar aberta, confiando em sua grade de ferro – percebi uma sombra do lado de fora. Apertei os olhos e notei o contorno de uma pessoa. E estava usando uma cartola! Era o homem que eu via na estrada, ele me seguira até em casa. Não podia ser! Seria algum ladrão me observando aquele tempo todo?
Antes que eu pudesse tomar qualquer atitude, a figura simplesmente desapareceu. Não, ela não se afugentara ao notar que estava sendo observada, sumiu mesmo. O contorno escuro na minha janela simplesmente perdera a forma. Eu atribuí o ocorrido ao cansaço, talvez fosse o estresse. Levantei da cama e fiquei fazendo hora. Saí um pouco mais cedo, dei uma olhada em volta da casa para ver se tinha alguma coisa fora do lugar, mas não encontrei nada. Então, segui meu caminho de sempre.
E, de novo, lá estava ele, parado no mesmo ponto da estrada, com a mesma postura arqueada, me encarando. Embora tomado pelo horror que aquela figura transmitia, decidi, de súbito, tentar falar com ele. E comecei a caminhar em sua direção. Conforme me aproximava, o sujeito abria um sorriso sórdido de divertimento. Parei bem na frente dele. Com o corpo curvado, era da minha altura. Tinha os olhos escuros e um sorriso escancarado.
Não sei bem o que se passava pela minha cabeça quando decidi confrontá-lo. ‘’Quem é você?’’, a pergunta saiu sem que eu pudesse articular algo melhor. Não houve resposta, ele apenas mantinha o sorriso ardiloso. ‘’Quem é você?’’, perguntei novamente. O silêncio e aquele sorriso debochado me despertaram uma raiva que havia muito tempo não sentia. ‘’Qual é o seu problema?’’ Ele tirou uma das mãos de trás das costas, nela uma faca. Eu quis sair dali, mas não consegui. Fiquei paralisado, e, no segundo seguinte, tinha uma faca me perfurando o estômago.
Levei as mãos ao local depois que ele puxou a faca e caí prostrado no chão com uma dor aguda. Eu não acreditava que aquilo tinha acontecido. Apertava as mãos contra o ferimento na tentativa de estancar o sangue que escorria pelos meus dedos, mas a dor era forte. Olhei para o meu agressor, que ainda mantinha o sorriso aberto e a faca suja com meu sangue na mão.
O sol começou a aparecer no final da estrada. Imaginei que seria a última vez que veria a sua luz. Porém, ao olhar de novo para o alto em busca do homem que me agredira, ele já não estava mais ali, assim como o sangue em minhas mãos. E a dor, havia sumido. Com a mente confusa e atordoada, permaneci ajoelhado, tentando entender como o homem desaparecera. Parecia que a luz do sol o tinha afugentado de volta para as trevas de onde saíra apenas para me atormentar. Ou então talvez sequer tenha existido, como se tivesse sido apenas um fruto da minha imaginação, um pesadelo pavoroso.