NOVIDADES NO MUSEU

NOVIDADES NO MUSEU

Tive uma surpresa quando no museu Louvre me deparei com um quadro borrado de sangue, lembrei-me do Van Gogh, mas aquele sangue não era de orelha. Como sei? A pintura parecia não ouvir o meu espanto, além disso a sua simetria não era análoga a qualquer coisa fórmica. A obra deveria ser expressionista, com tons de hematoma. É provável que os seus traços herméticos representassem para o artista o seu querer dizer muito.

Preocupado com aquela vermelhidão anômala, indaguei o rude vigilante do estabelecimento, que me disse não ver a mancha sanguinolenta impregnada na pintura. Perguntou-me, ainda, se eu era açougueiro. Pertinácia sua. O tom de ironia na voz dele era nítido. E retirou-se, pouco caso fez. Inda gritei: juro que vi! Aquilo não era tinta! Estarrecido, pus-me a refletir que estar diante de uma obra de arte e sentir os seus sentidos não é uma experiência popular, apesar de pública. Talvez aí resida a tal coisa vivida com o despojar de cada ser que esteja preso a uma coerência. Por que um assassino não pode agir conforme o que acredita? Para ele matar é certo, ou pelo menos foi. Para o pintor o pincel é a sua arma usada para replicar o sentimento que por tanto tempo conteve. Antes da pintura, vem o pintar-se. Não é a moldura responsável pelos tons. A tela é sangue coagulado, enquanto seu revestimento é veia. O que é um espelho na frente doutro? O que é o seu reflexo na escuridão?

Quem dera ser possuidor de uma bola de cristal que evidenciasse as meditações e mais – suas consequências. Poetas são confundidos com bruxos porque fazem magia com o acidental da vida. A magia do poeta consiste em transformar o banal em essencial. Será que fui incumbido com tal visão? Uma escritora contagiada por esse encantamento escreveu “Futuro de uma delicadeza”: - “Mamãe, vi um filhote de furacão, mas tão filhotinho ainda, tão pequeno ainda, que só fazia mesmo era rodar bem de leve umas três folhinhas na esquina...” (Clarice Lispector) Contágio direto, imediato.

Quem diria; museu, um lugar de “velhidades” trazendo novidades. Saí do Louvre. Fui pro carro, meu carro. Outro veículo defronte ao meu, e nesse automóvel três homens bebericavam de uma forma demoníaca. Num supetão reconheci um deles – era o segurança! E percebeu que eu o observava; desceu da viatura. Aproximou-se e me indagou – quer saber realmente de quem era aquele sangue? – sim... Titubeou, chorou, voltou ao veiculo no qual estavam os seus amigos e nunca mais o vi... a vida dele estava coagulada pelo álcool. Não procurei investigar o caso, nem mais cogitei a razão da sua fuga. Mas, continuo sangrando e acreditando que por mais que o sofrimento exista nos episódios da vida-vida, estaremos sempre pintando, esculpindo, poetizando, cantando a nossa vontade de viver, mesmo que haja suicídios lentos e/ ou instantâneos.

Leo Barbosaa
Enviado por Leo Barbosaa em 20/06/2021
Código do texto: T7283190
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