Um Presente dos Herleston

- Como pode saber que é uma falsificação? - Questionou Parry Eyston, braços cruzados.

Alban Herleston apontou para as frutas dentro da tigela de metal no quadro.

- No original, há um cacho com doze uvas verdes; neste, há apenas onze.

Aborrecido, Eyston inclinou-se sobre a pintura e percebeu algo desconcertante.

- Realmente, são apenas onze; mas se reparar bem, há um espaço vazio no cacho, como se uma uva houvesse sido removida do engaço.

- O que isso prova? - Inquiriu Alban Herleston, testa franzida.

- Que sua irmã sabia que mandaria alguém atrás do quadro - redarguiu Eyston. - Ela queria que você ficasse com este aqui.

E, diante do silêncio do contratante, acrescentou:

- Creio que subestimou sua irmã, senhor Herleston.

Herleston abanou raivosamente a cabeça.

- Não me interessa esta cópia, por engenhosa que seja. Não vou reembolsá-lo.

- Que seja - Eyston deu de ombros, registrando mentalmente o prejuízo de dez coroas. - Mas tampouco tenho interesse na pintura... fique com ela, como recordação da sua irmã.

Alban Herleston nada respondeu, enquanto ele abandonava a biblioteca.

* * *

Eyston foi acordado de madrugada em seu quarto alugado numa estalagem no centro de Aylevard, pelo som de sinos que ressoavam ao norte. Ergueu-se da cama e afastou as cortinas da janela voltadas para àquela direção: havia um brilho vermelho de fogo e rolos de fumaça branca erguendo-se contra o céu escuro. Colocou um robe sobre a camisola de dormir e desceu para o salão, onde encontrou o estalajadeiro e sua mulher, também em mangas de camisa.

- Onde é o fogo? - Indagou.

- Na mansão de Alban Herleston - informou o estalajadeiro. - A brigada de incêndio já foi pra lá, mas parece fora de controle.

Eyston aguardou ainda um tempo para acompanhar a evolução dos acontecimentos, mas, como finalmente as chamas deixaram de ser vistas, deduziu que podia voltar para a cama e foi o que fez.

Na manhã seguinte, ao ter o desjejum servido pela estalajadeira, buscou informações sobre os desdobramentos do ocorrido durante a madrugada.

- Os brigadistas não puderam fazer muito - disse a mulher. - A mansão de Herleston queimou até o chão.

- E Herleston?

- Ele e os criados conseguiram sair a tempo, sem muitos problemas.

- Ainda bem. E alguém sabe como o fogo começou? - Perguntou Eyston.

- Os brigadistas disseram que pode ter sido na biblioteca... - disse a estalajadeira, expressão pensativa. - O mais estranho é que foi lá que encontraram um quadro no chão, caído com a tela para baixo; não estava sequer chamuscado.

- Um quadro? - Eyston ergueu os sobrolhos. - Que tipo de quadro?

E antes que a mulher respondesse, ele já sabia que se tratava da natureza-morta que ele comprara de Dorithie Herleston no dia anterior.

- [17-06-2021]