A Herança dos Herleston
Uma criada abriu a porta da biblioteca, para que Parry Eyston passasse. Lá dentro, sentado atrás de uma secretária de mogno, o proprietário da mansão, Alban Herleston, ajeitou os óculos sobre o nariz ao vê-lo entrar.
- Senhor Eyston!
E foi ao encontro do recém-chegado, mão estendida. Trocaram um aperto de mãos e Herleston indicou-lhe uma cadeira de braços estofada à frente da secretária.
- Tome assento, precisamos acertar os detalhes.
Eyston procedeu como indicado.
- Então, fez boa viagem? - Indagou Herleston.
- As estradas para Aylevard estão bem melhores do que da última vez em que aqui estive - recordou Eyston. - Imagino que por estarmos no verão, isso ajude...
- Decerto - acedeu Herleston. - Duscoyna precisa de uma administração melhor, mas o atual presidente da Liga de Comércio prioriza o transporte marítimo. E, antes que isso seja interpretado como crítica, ele também defende a tese de que estradas ruins vão atrapalhar o avanço de qualquer exército que queira nos invadir pelo interior do continente. Isso não me parece de todo infundado.
Eyston não soube como interpretar o comentário, se era a sério ou um gracejo, portanto apenas deu um sorriso educado como resposta. Herleston prosseguiu, os óculos escorregando para a ponta do nariz:
- Mas vamos ao motivo pelo qual preciso dos seus serviços. Como expliquei na carta, após uma longa enfermidade, minha mãe, Zephora, veio a falecer... que a Rainha dos Céus a receba e mantenha...
- Eleve o seu espírito - Eyston repetiu maquinalmente a fórmula religiosa.
- Para sempre - disse Herleston, tocando reverentemente com dois dedos no lado esquerdo do peito. - A questão a ser resolvida, como antecipei, envolve a divisão da herança.
- Entre o senhor e sua irmã, Dorithie.
- Exato - assentiu Alban Herleston. - Por razões que não cabe aqui discutir, Dorithie era a responsável legal por minha mãe nos últimos anos, e administrava os negócios que herdou da família dela e do meu pai. Não é sobre isso que iremos falar, e estou até satisfeito com a partilha efetuada...
- Folgo em saber - disse Eyston.
- Todavia, - Herleston ergueu brevemente o indicador direito - há um bem que não entrou na partilha, até por ser encarado como algo de mero valor sentimental, e que continua de posse da minha irmã. Ela não pode saber que tenho interesse nesse item, pois certamente se recusaria a vendê-lo. E é aí que o senhor entra.
Eyston fez um aceno afirmativo de cabeça.
- Quer que eu haja como um intermediário, na compra deste objeto.
- Exato. Como já é conhecido em toda Duscoyna como comprador de antiguidades, certamente minha irmã não irá desconfiar da sua presença em Aylevard.
- Compreendo - Eyston balançou a cabeça em concordância. - Mas do que estamos falando, exatamente?
Herleston entrelaçou os dedos sobre o tampo polido da secretária, antes de responder:
- Um quadro, uma natureza-morta; minha irmã o mantém na sala de jantar da sua mansão.
E, inclinando o corpo para a frente, disse em voz baixa:
- Corre o boato de que é enfeitiçado.
Eyston juntou as palmas das mãos.
- Imagino que seja exatamente por isso que o senhor o quer - avaliou.
Herleston desenlaçou os dedos e sorriu.
- Digamos que minha irmã não acredita no boato - redarguiu.
[Continua]
- [15-06-2021]