OS GARIMPEIROS MERGULHADORES E SEUS ASSOMBROS
OS GARIMPEIROS MERGULHADORES E SEUS ASSOMBROS
Do Rio Madeira
Autor Moyses Laredo
Lendas Amazônicas
Por toda a Amazônia, seja no ar, na terra ou nos rios, sempre haverá uma lenda, desta feita a história se passa nos garimpos de mergulho. Atividade muito comum na região Norte, mais precisamente no rio Madeira até nos dias atuais, o garimpo de ouro em minas de aluvião nas margens e leito do rio Madeira tem deixado um rastro de poluição por metais tóxicos, pois o uso do mercúrio (hg) faz agregar as partículas de ouro formando um amálgama, o separando da lama em que as partículas estão dispersas, de forma que, é o processo mais rápido conhecido, no entanto, a evaporação do mercúrio no ambiente volta em forma de chuva ao maior afluente do rio Amazonas.
Conta-se que de lá, já foram extraídas mais de vinte toneladas de ouro anuais. Dessa riqueza toda, pouco se tem conhecimento de seu emprego no país, escorre tudo para outros países, onde as leis não são tão rigorosas e os atravessadores pagam bem aos garimpeiros. A Caixa tentou se instalar nas áreas de garimpo, mas os compradores vão direto nos dragueiros (donos de minas) que muitas vezes são os financistas, portanto, sempre superam o governo, porque não pedem e nem dão recibos, pagam em peso uma porcentagem pequena do que é extraído. Quanto maior for o risco maior será o lucro. Essa atividade atrai todo tipo de gente em busca de uma riqueza fácil, são pessoas sem estudos que se aventuram no tudo ou nada. É verdadeiro que, se tudo der certo, eles enriquecem da noite para o dia, mas alguns se encantam com a luxúria da qual nunca imaginaram viver e mergulham de cabeça no custe o que custar, dizem que: - “de onde esse ouro vem, tem mais de cem”. Outros, realmente investem em suas terras natais, isso quando conseguem chegar sem serem roubados ou assassinados. De fato, acaba sendo uma loteria para os poucos que saem bem dessa vida de garimpo.
Numa dessas viagens de aventuras pela Amazônia, um viajante atracou seu barco para um pernoite, num flutuante bem junto a uma balsa de “escarefuça”, junção das palavras escarear e fuçar, como denominam por lá, ancorada no porto de uma carreira (estaleiro), para alguns reparos de solda. O próprio soldador que era seu conhecido, também foi mergulhador de garimpo, hoje aposentado, apenas se dedica ao ofício de reparar balsas com problemas ou avariadas. Como era seu conhecido, logo aprumou uma prosa amuada, iniciou com uma janta feita de um pedaço de guariba defumada com uma generosa conchada, da latada de mixira, (Conserva de peixe-boi, tambaqui ou de tartaruga nova, feita em banha do próprio animal) nesse caso, de tartaruga, estocada há mais de seis meses, justo para essas ocasiões. A guariba seca defumada, completa a mistura e assim, foi arrumada a janta de última hora. A conchada de mixira é despejada na frigideira quente que faz a banha derreter junto com os pedaços de carne, que depois é misturado com farinha d’água da baguda (coroçuda) daquelas de quebrar dentes de paulista, feito uma grossa farofa, que nem cachorro come, porque não sobra. O amigo que nunca havia degustado essas comidas típicas não se fez de rogado e logo se abarcou na pequena mesinha do barraco do ribeirinho, queria experimentar tal iguaria, já que há muito ouvira falar, mas nunca experimentado, tirou um prato de esmalte da pilha, arrumado sobre a mesa, pegou uma colher de dentro da caneca de leite moça e deu início aos trabalhos. A comida cheirava longe, quem passasse por ali, logo ficava sabendo o que aquele povo estava comendo. Depois da janta, se acomodaram nos tamboretes da varandinha, para acender um porronca, enrolado na hora e colado o papelim, com cuspe. O amigo viajante que prestava a atenção, olhou meio desconfiado “pra-quilo-alí”, foi quando o ex-garimpeiro percebendo, falou, - “tenha nojo não, o fogo do braseiro queima qualquer coisa “rúim” que tiver no cuspe” – “Se é assim, então me dê logo um bicho desses pra cá”, disse o amigo da cidade.
Então, conversa vai conversa vem, o amigo quis saber como é que funciona esse negócio de mergulhar no garimpo, sempre soube que é muito perigoso e arriscado, e nisso foi dado o sinal, daí em diante desencadeou o assunto que o amigo mergulhador dominava bem e foi prosa pra mais de metro, acabou desfiando o novelo. O amigo mergulhador, contou-lhe que, quando tinha que mergulhar, não importava a hora, precisava atingir a meta da pesagem, feita pelo dono da mina ao dono da balsa e lá no fundo quando se mergulha, sempre é noite mesmo, tudo fica muito escuro, não se enxerga um palmo adiante do nariz, então, não faz diferença mergulhar de dia ou de noite. E foi numa dessas situações, que mergulhou já bem tarde da noite, vestiu o emborrachado, (neoprene) ligou o compressor de ar, regulou a pressão, testou e ajeitou a boqueira, afivelou os pesos nas pernas, colocou os óculos, fez um sinal para a companheira e desceu, sempre segurando a mangueira de sucção, quando pousou no fundo, já acomodado, começou a sugar o cascalho. “Se o cascalho informa bem, a peneira tira a dúvida” esse é o dito por lá, e o leito estava cheio de um bom cascalho. Foi quando baixou a vista viu passar bem na sua frente um vulto de uma criatura estranha, animal não era, porque se assustam facilmente com o roncar do sução muito barulhento mesmo no fundo, principalmente, quando há bastante cascalhos no leito, que começa a pipocar na mangueira até chegar na calha da peneira lá em cima na balsa, portanto, aquilo ali, para ele, era totalmente desconhecido. A criatura, como passou a descrevê-la, ficou a observá-lo à distância sem, contudo, tocar nele, apenas o seguia dando voltas ao seu redor. O pânico começou a se instalar, em vista da sua baixa mobilidade, quase zero, temia ser arrastado, ou levar uma mordida, ou coisa parecida. Disse que o muito que podia dar, era um passo, em seguida do outro tudo muito lentamente, o peso da chumbada para mantê-lo no fundo, mais o peso da mangueira de sucção o impedia, desse modo, se tornava de fato, uma presa fácil para seja lá o que for que estivesse lá em baixo observando ele. A coisa passava bem rés a ele, deixava um rebojo (remoinho de água) que chegava a levantar as areias do fundo do rio, mesmo assim, não soube identificar a criatura, por causa da mais completa escuridão no fundo, só sabia que a coisa era extremamente grande e descomunal, demorava a passar diante dele. Possuía só uma pequena lanterna de testa, daquelas que se coloca com elástico para explorar cavernas, com uma luz tênue que dava apenas para ver o que sugava e para o manter na visada do local. A criatura ficou a rodeá-lo por longo tempo, não queria parar, foi quando achou muito arriscado permanecer ali, até porque, tinha perdido a concentração e resolveu puxar a corda da vida (salvação) para ser içado, sua mulher que o acompanha sempre, até achou estranho, quando ouviu o sino de chamada, pensou, - “mais será o Orolino?”, ele sempre demorava muito lá embaixo. Ela havia ido para dentro de casa cuidar de outros afazeres como sempre fazia quando ele mergulhava, mesmo assim, de onde estava, saiu correndo para atende-lo, que ao emergir e tirar a máscara, estava mais pálido do que “estearina” (como chamam vela), demorou a se recuperar, contou o que se passou lá embaixo, coisa que nunca tinha visto nesses últimos quinze anos que mergulhava, mas, mesmo assim, disse que voltaria a garimpar, o chamado do ouro era mais forte do que uma simples assombração.
Em conversa com um parceiro, contou-lhe o ocorrido e esse lhe disse que ali naquela região do rio é comum, muitos já correram dali, dizem que habita um bicho muito grande e que ele também já tinha topado com ele e sentido o tal rebojo que estava a lhe contar. Mas nunca soube de o tal bicho ter feito mal a alguém. Isso o intrigou mais ainda, tinha que saber o que era aquilo ali em baixo do rio. Mas naquela região, nenhum caboco pulava no rio pela manhã cedinho e ao entardecer, segundo eles, é a hora das feras saírem para se alimentar!
Em consulta com um cientista do INPA, ele relatou que nos rios e pântanos da floresta amazônica e nos territórios ao Norte da América do Sul, viveu um jacaré gigante de 8,5 toneladas, o Purussaurus brasiliensis. O tal jacaré gigante que habitou a Amazônia, pode ter deixado descendentes, haja vista seus parentes mais próximos. Os índios o chamavam de jaeça-caré = “o que olha de banda”. Também não ataca presas grandes debaixo d’água, porque não pode engoli-las, tenta trazê-las para à tona. O jacaré gigante teme a “besta grande” igual aos leões de Safari, quando eles vêem um safári aberto, cheio de gente, tudo o que vêem é uma única coisa: um grande animal com alguns apêndices no topo (cabeças). Como uma “besta grande” e potencialmente poderosa não os interessa, assim como a outros animais grandes, tais como o rinocerontes e elefantes adultos: eles sabem que o esforço de caça não vale a pena. Não porque temam os humanos. É o caso dos mergulhadores, que estão com os equipamentos de mergulho, máscaras, bolhas saindo pela cabeça, mangueiras de sucção e grande ruído à sua volta, isso certamente afasta o predador. O perigoso é se ele tentar mergulhar por apneia, aí pode contar que ele vai dar uma morridinha ligeiro e avexado.