O SOMBRA

Na flor da noite, de gatos de aloite, sob a Lua esquálida, pelas ruas tortas da cidade já morta, no véu da neblina flutuante, ia a sombra disforme. Sinistra, silenciosa, encolhia, aumentava, observando as casas de janelas e portas trancadas. Vagando seguia entre sussurros do vento, envolta pelas trevas, nos espectros da noite, siluetas escronchas das árvores, dos apagados luzeiros dos palanques.

Perseguida pelo zumbido da mutuca, corrupio endiabrado da coruja espiritada, nos goivos empuleirada, empalhada. Se aproximou do paiol, recebido pelo espantalho desconjuntado, pregado na estaca, desfiado pelos corvos, com cara de assombro. No puleiro cantou o galo seresteiro, acordando os pássaros flautistas pelos galhos, desencantar a sinfonia noturna dos sapos. E o eremita solitário surgiu das brumas, como uma mancha negra, passou pela cerca e se postou frente o alpendre da casa. A porta abriu de fininho e com cara de insônia soltou um Miau agudo, despertando todo mundo,feito relógio de cuco. Se lambuzou no leite da tigela, da vaca esbelta,elegante, que traz um sino de enfeite. Subiu no armário, espantou o rato, se aplastou na almofada, feito cobra enrolada. Embalado pelo violino da cigarra na folha pendurada, adormeceu de pata esparramada.

Quando chilram os grilos verdes e os vagalumes se acendem, lá vai o sombra outra vez fazer a ronda pela noite, com coragem de elefante e olhos de diamantes.

FIM

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NACHTIGALL
Enviado por NACHTIGALL em 01/06/2021
Reeditado em 18/06/2021
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