OS MISTÉRIOS DA CACHOEIRA ENCANTADA DO PAREDÃO

OS MISTÉRIOS DA CACHOEIRA ENCANTADA DO PAREDÃO:

Autor Moyses Laredo

Contos Amazônicos

Um amigo aficionado em caçadas, desses que troca tudo por uma boa aventura na mata Amazônica; que de tanto ouvir falar das maravilhas de abundância de caça e peixes, num lugar pouco conhecido, chamado “Cachoeira do Paredão”, no rio Juma, localizada no Município de Apuí, no Amazonas, resolveu programar uma caçada/pescaria nesse lugar. O local não ficava muito distante de Manaus; o Município de Apuí situa-se no extremo sudeste do Estado do Amazonas a cerca de 450 km em linha reta de Manaus, mas também acessível de barco, embora de difícil acesso. A Cachoeira do Paredão, com os seus + de 30 metros de altura (da altura de um prédio de 11 andares) e impressionantes 90 metros de comprimento, (dois campos de futebol) chega a cortar transversalmente o próprio rio Juma; é formado por uma parede de rocha sólida com inclinação de 90º por onde se despenca uma queda d’água formidável, custa a crer que exista essa maravilha no seio da Floresta Amazônica, de tão esplendorosa formação rochosa que origina essa extasiante catadupa, embora hoje se alcance essa maravilha da natureza de lugar, por uma trilha de motocross, mas na época, impensável este acesso, que era feito somente de barco, ou por caçadores locais.

As dificuldades foram enormes para chegarem a esse lugar, entretanto o pessoal selecionado estava acostumado a essas atribulações, todos sabiam de cor suas obrigações, um cuidava de armar a tenda da cozinha, outro, cortava a vegetação ao redor, retirando os paus para lenha, e ao mesmo tempo, limpando uma pequena clareira para o “acampamento”, outro ajudava no transporte dos mantimentos e apetrechos, redes atadas, lonas armadas, fogueira acesa, assim, a turma em poucos minutos estavam “arranchados” como se diziam. Quando as coisas estavam nos seus devidos lugares se preparavam para sair em busca dos peixes. Não demorou muito para as primeiras linhadas estarem de molho no rio, e também não demorou muito para o primeiro fisgar sua “sulamba” (aruanã – Osteoglossidae bicirrhosum) bem crescidinha batia facilmente um metro e meio, aquilo animou o resto do pessoal, imaginem os outros peixes, de que tamanho seriam?...daí o próximo a vir, foi um apapá-amarelo, também chamado de dourado, ou sardinhão (Pellona castelnaeana) só desses pegaram uns 10, cada um maior do que o outro, em seguida, jogaram as linhas mais distantes e começaram a vir as famosas piranhas pretas (serrasalmus rhombeus), elas em geral, pesavam em média uns três quilos, disseram que já pegaram ali, piranhas pretas com mais de quatro quilos, deviam ser umas monstras, quase um ruelo (filhote de tambaqui). Um deles, arremessou mais longe a linha, jogando na volta da ribanceira do rio, colocou um naco de isca bem generoso de uma “cachorra”, (peixe cachorra - pirandirá/parayaque) que veio numa das fisgadas, e amarrou a ponta da linha num vasilhame de plástico com alça, desses que vem com óleo lubrificante para motor marítimo, servindo como boia, não passou nem cinco minutos e o “galão” como é conhecido, começou a correr feito um descontrolado, igual aquelas boias amarelas do filme Tubarão, eles tinham fisgado um enorme surubim conhecido no centro oeste como cachara e para os americanos, Stripped Catfish.

No início da noite, depois de tudo acomodado, prepararam uma farta mesa de peixes de várias espécies, de assados, cozidos a fritos, de todo jeito, peixe fresco é saboroso. À noite, saíram pelas beiradas, de canoa, para “faxiar” e ver se viam os reflexos dos olhos de paca, o foco da lanterna, quando encontra seus olhos reflete como se fora uma placa luminosa, é o chamado tapetum lucidum que contribui para a excelente visão noturna de alguns animais, como no caso das pacas por exemplo, nessa noite abateram facilmente uma linda paca já limpa, deu seus 30 quilos, foi para o freezer improvisado (caixa de isopor com gelo). No dia seguinte, se dedicaram exclusivamente à pescaria, mas à noite, resolveram sair à caça, desta vez caminhando por uma trilha na mata aos fundos do acampamento, estavam eufóricos com a perspectiva da fartura da noite passada. Nem bem estavam não tão distante do acampamento, quando ouviram pertinho deles, um esturro medonho e assustador, como vindo de uma grande caixa de som, de frequência grave, o que os deixou totalmente apavorados, fazendo arrepiar seus mais recônditos pelos dos seus corpos, todos pararam, haja a percorrer o foco das lanternas de um lado para o outro, esperavam ver logo o autor ou autora de tal façanha, tremeram de medo devido à proximidade da fonte do som, não sabiam de que lado partiria o suposto ataque, principalmente porque se fosse de onça, sabiam que elas enxergam muito bem no escuro e deveria os estar vendo com clareza, quem conhecia a bicha pelo esturro, disse logo que se tratava de uma onça vermelha (suçuarana) que estaria a rondar seu território em busca de caça, justamente como eles estavam a fazer, só que, para as onças, onde poucos humanos se aventuram elas são descaradas não tem medo de nada, pacas ou humanos, são as mesmas coisas, ambos fazem parte de sua dieta e são altamente nutritivos, na visão dela! Um dos amigos propôs correrem, outro retrucou, que não adiantaria de nada correr, porque ela corre mais do que qualquer um de nós; então, o que propôs a ideia de correr, se saiu com essa, - “mas ela vai pegar primeiro aquele que ficar por último”. Diante disso, ninguém falou mais nada, saíram em disparada para o acampamento, nenhum deles queria ficar por último, desistiram das pacas e das cotias, chegaram bufando e suados. Nesta noite estabeleceram um rodízio de vigilância, de três em três horas, um ficaria acordado, depois renderia o próximo. O primeiro que disse que ficaria acordado, foi dormir logo em seguida que os outros começaram a roncar, acreditou na teoria da onça, que pegaria um e deixaria os outros viverem, ele mudou sua rede para o centro do acampamento teria que passar por um dos “amigos” para chegar nele. Resultou que ninguém ficou de vigília coisa nenhuma, nem a onça apareceu, depois de um dia de pescaria e umas poucas horas de caçada, um susto e uma carreira, esperar o quê, estavam todo exaustos.

No dia seguinte, ainda permanecendo a fissura de caçar, um dos cabocos que os acompanhava, resolveu do nada, atirar num casal de araras que passava gritando, alegou que queria tomar um caldo, uma delas se quedou morta, o tiro foi certeiro e fatal, a outra parceira, ficou a sobrevoar o local em círculos, com gritos chamativos, como num lamento desesperado e constante, a chamar pelo companheiro. Essas aves são monogâmicas, quando se unem, é para toda vida, no caso, elas não conhecem outra reação a não ser, permanecer em volta da companheira à sua procura. Essa cena traumatizou os caçadores, disseram ser um prenúncio de mau agouro, assim, desistiram de caçar nesse dia, resolveram todos sair para pescar.

Na janta, se regalaram com um farto assado de peixe fresco, pegado naquele dia, bem em frente do acampamento. Foram dormir mais cedo, as suas redes já devidamente atadas com mosquiteiros, se deitaram. Ô noite agoniada, de pesadelos, medos e assombros, cada um se agitava no seu canto. Acordaram exaustos da noite mal dormida, durante o café, cada um contou para o outro, suas experiências do sonho, ficaram admirados, os sonhos quase todos eram muito parecidos, só mudava com o ângulo de cada um, mas contaram que foram perseguidos, por umas entidades que os ameaçavam, não se viam os rostos, depois, eram levados para uma caverna estreita e semi escura, onde em suas passagens por ali, viam-se vultos de pessoas se contorcendo numa dança esquisita, ao som distantes dos atabaques, chocalhos (maracás), o reco- reco (feito com casca de tartaruga), trombetas de cuia, percussão, pios, sopro e os bastões de ritmo. O mais incrível foi todos sonharem sonhos iguais, nunca se tinha ouvido falar nisso, ficaram assustados com o que o outro contava, se perguntavam por pormenores, uns gravaram mais detalhes do que o outro, mas sempre concordavam com seus sonhos, por causa do mesmo ambiente, e assim, acabaram por reconstruir todo o contexto do sonho.

Diz-se que foram levados para uma caverna, o interessante é que não viam seus próprios pés, eram levados como o sopro do vento que conduz uma folha sem pousar no chão. O fundo do labirinto, se abria um imenso salão, encontrava-se o pajé, de pé, aparentava ser homem muito velho, que suas rugas lhes sobressaiam do corpo, como alguém que veste uma roupa maior do que seu tamanho, ou, mal comparado, com aqueles cachorros da raça Shar pei que são muito enrugados. Foram instruídos por sinais, a permanecerem ali. O velho pajé, estava arrodeado por um grupo de dez anciãos, todos sentados no chão, seus cabelos embranquecidos feito longas tranças, tocavam o chão. Pelas idades, calcularam que tinham uns 100 anos cada um, o conjunto se somado, passava dos mil anos. Estavam em volta de uma grande fogueira, que crepitava, mas não ardia, não sentiam calor, sempre se ouviam ao fundo, batidas surdas e compassadas dos atabaques, marcando uma cadência contínua, que emprestava um clima sombrio e tenebroso ao ambiente de pouca luminosidade. Ao redor do grupo, viam-se várias entidades, todas encostadas nas paredes, elas não tinham rostos, seus corpos estavam encobertos por uma espécie de névoa translúcida que fluía num rastro, para o alto das suas cabeças, como se ligadas por um cordão de luz a alguma coisa desconhecida fora dali; aquilo tudo completava o clima de um ritual sagrado. O mais interessante é que não sentiam temores, estavam tão-somente estarrecidos com o que estavam vendo, cada um olhava para o detalhe que mais lhe chamava a atenção, se todos contassem suas histórias em separado, poder-se-ia dizer tranquilamente que eram sonhos diferentes, mas, se juntados numa sequência, montava-se a película toda, foi o que aconteceu com eles, quando resolveram contar os seus sonhos uns para os outros, montaram o quebra cabeça com a parte que cada um contava, daquilo que vivenciaram no sonho. Procuraram entender a razão de terem sido conduzidos para aquele lugar, que mensagem aqueles espíritos queriam passar, ficaram observando quietos até que, um deles, foi chamado à presença dos anciões, o mesmo que atirou na arara, ele permaneceu de cabeça baixa, assim que chegou na presença deles, lhes fizeram ver, na sua mente, um filme de toda sua vida pregressa e tudo que havia feito cometido com os animais, matando-os por diversão, muitas vezes, só apurando a mira, sem aproveitar suas carnes como alimentação. Apesar de perguntado insistentemente pelos outros, nunca revelou mais do que isso, saiu de lá cabisbaixo, dizem que a partir daí, mudou completamente sua maneira de agir, tomou ciência de que na mata, todos seus atos são registrados, ninguém está sozinho desacompanhado, lhes orientaram a fazer referência aos encantados, sempre ao adentrar na floresta.

Dizem que a memória do sonho é algo muito tênue e bastante frágil, que qualquer outra lembrança, ou acontecimento que ocorra depois de acordado, sobrepõem e encobre totalmente o sonho, quebra a memória, como numa mídia em que se grava por cima, o sonho se apaga sem chances de recuperá-lo, entretanto, isso não aconteceu com eles, porque conversaram sobre os seus sonhos, na mesma manhã, durante o café, com as lembranças ainda fresquinhas, além do que, um ativava o trecho esquecido do outro.

Como a pescaria e a caçada mal havia começado, resolveram sair em busca de outro local mais distante dali, no caminho toparam com um morador da região e na breve conversa que trocaram, em busca do lugar adequado, este perguntou-lhes onde estavam acampados. Quando lhes disseram onde estavam, no pé da cachoeira do paredão, o caboco deu um salto pra trás de assombro e repetiu: - “No pé da cachoeira?” O interlocutor perguntou-lhe o porquê desse espanto todo, o ribeirinho completou: - “Seu minino, lá estão concentradas todas as energias boas e ruins do mundo, é um lugar encantado, que devolve as maldades de cada um”. Os assustados amigos, perguntaram-lhe que mal faria acampar por lá? O caboco retrucou, ninguém aguenta dormir, por causa dos pesadelos que têm, e aí completou, esta cachoeira é encantada expulsa todos que aqui vem para caçar e pescar. Diante disso, no mesmo dia, o grupo assustado bateu em retirada, saíram de perto da cachoeira, levantaram o acampamento e foram para bem mais longe dali!

Molar
Enviado por Molar em 15/04/2021
Código do texto: T7233023
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.