O TRONCO ENCANTADO DA MORADA DA COBRA GRANDE

O TRONCO ENCANTADO DA MORADA DA COBRA GRANDE

Autor: Moyses Laredo

Lendas da Amazônia

Um fato muito curioso e intrigante, que manteve presa a atenção da população amazonense, no início do século XX, por volta de 1902 a 1906. Um tronco de árvore frondosa, que se deslocava flutuando em pé, feito uma imensa árvore podadas sem galhos e folhas, ora navegava a favor e ora, contra a correnteza, de forma misteriosa, partia do Igarapé do Tarumã Açu, indo até muito dentro no rio Negro, depois, afundava e aparecia novamente no mesmo lugar de onde partira. Este tronco ficava vogando (o mesmo que boiando) com um bom pedaço fora d’água e, sem nenhuma explicação plausível, saía navegando ao seu bel prazer tranquilamente pelos igarapés vizinhos, lagos e até sair no rio Negro, chegando nas proximidades de Manaus. Os canoeiros, catraieiros, pescadores e vendedores da praia, de frente do Mercado Adolfo Lisboa, recentemente inaugurado (1882), ao longe, ficavam abismado com a visão daquele tronco solitário e misterioso a desafiar os habitantes. Diante dos olhos de todos, em dados momentos, submergia, para reaparecer em outro local inexplicavelmente. A coisa foi ficando intrigante para quem se deparasse com o misterioso tronco, se afastavam ou desviavam seus caminhos, ninguém mais queria navegar à noite com receio de se chocar com esse tal tronco encantado. Não se sabia o que estava por baixo dele, ou, o que o movia, os mais antigos, tinham certeza de que ali, residia uma cobra grande, conhecida como boiuna ou anaconda.

“O pau do Tarumã”, como ficou conhecido na época, assombrava o povo que o considerava encantado e por muito tempo foi um dos assuntos principais mais comentados nas reuniões familiares. A crendice popular procurava dar várias explicações. Para uns, tratava-se de uma enorme cobra-grande que tinha se enroscado nas raízes dele, e para outros, era um sinal da Iara, a mãe d'água, descontente com alguma coisa, ou, em busca de sua oferenda.

Após muitas especulações, decidiu-se então, desvendar de uma vez por todas aquele mistério. Recorreram ao governador Antônio Constantino Nery, que assumiu, perante seu público, a responsabilidade de dar uma resposta aos pescadores e viajantes daquelas bandas do rio Negro. Requisitou para tal missão, uma antiga embarcação, de nome Triumpho - Registro de 1885, na Capitania dos Portos de Manaus, que nos tempos da Cabanagem, (foi uma revolta popular e social ocorrida durante o Império do Brasil de 1835 a 1840) serviu como vaso de guerra. Era equipado com um motor inglês de um só cilindro, que provocava uma batida estrondosa no casco, quando em funcionamento, sua “velocidade máxima” era regulada pelo número doze no manete de velocidades, daí foi cunhada a expressão, “botar no doze” representava dizer, botar fervendo numa contenda. Foi com esse navio que resolveram dar um fim na misteriosa história do tal tronco que “andava”.

Navegou-se por dias à sua procura, porque nem sempre estava à amostra, e as comunicações não eram tão rápidas, quando finalmente era avistado, saíam às pressas para dar o aviso, em muitas vezes, chegavam atrasados e o tronco já tinha sumido. Nesse dia, tiveram sorte, o caboco morador local, avistou o tronco tão logo abriu bem cedinho a janela de sua casa para cuspir, e que dava visão direto pro lago, foi um susto, deu o alarme, correu pra voadeira e saiu para avisar no posto de fonia mais próximo, e em questão de uma hora, o local estava cheio de curiosos, todos muito apreensivos, “urubusservando” de suas embarcações, mantinham uma distância de segurança, pois temiam uma reação, da cobra grande, já definida como a causadora do deslocamento do pau encantado. O comandante, da embarcação, era Guarda-Marinha, cheio de comendas ainda penduradas no seu velho casaco surrado, ordenou que se prendesse o “pau” com fortes cordas de sisal torcidas, e se preparassem para arrastá-lo para o seco, estavam todos muito apreensivos, queriam decifrar aquele encanto perturbador. Porém, não combinaram com o dito “pau”, ou com quem estava a puxá-lo, porque ao sentir a pressão, se recusou a obedecer, ofereceu tal resistência que o motorzinho começou a esfumaçar, “enguia” e roncar estranho, mas não saía do lugar, repentinamente começou a ser arrastado, o bravo Triumpho, com tal força, que fez com que a água do rebojo entrasse alagando parcialmente o convés da popa, rebocou-o com grande facilidade por um bom trecho, a maioria dos intrépidos ajudantes, bons nadadores que eram, criados nas ribanceiras, sem esperar as ordens do comandante, se jogaram na água em desespero, como disseram depois: - “Quando vimos aquilo rebocar o navio com tamanha facilidade, nos “murguiamos” (mergulhamos) na hora. Ficando somente o comandante e alguns marinheiros, que cortaram as cordas e por pouco não fez a gloriosa embarcação “murguiá”. Essa história se espalhou como brasa em palheiro, só não saiu no Jornal Amazonas na hora, porque só circulava aos sábados, mas, à “boca pequena” ou, a rádio peão de agora, a notícia logo se espalhou e daí ninguém mais se habilitou a enfrentar o “pau do Tarumã”, depois dessa, a história foi contada de boca em boca, cada um aumentava um pouco, houve quem dissesse que chegou a ver os olhos da cobra-grande e que eram maiores do que os dois novos bondes recém chegados.

Numa ocasião, o “pau do Tarumã” estava bem próximo da margem que até uns corajosos se aventuraram se aproximar, ao ponto de dar uma laçada no tal tronco encantado, com uma cordoalha, (cordoalhas são cordões de aço formados por um conjunto de arames torcidos de forma helicoidal) usado para puxar barcos na Carreira. Envolveram a outra ponta à uma árvore frondosa de apuizeiro, na margem do lago. No dia seguinte só encontraram os cabos partidos, todo despedaçado, a árvore caída e o “pau” desaparecido, ainda levou consigo a parte da cordoalha que fora laçada no tal tronco encantado.

O governador, não aceitou a derrota, não acreditava em lendas, era um homem duro de formação militar e não gostou da forma como seus homens abandonaram a captura. Convocou nova intentada, desta vez, procurou uma embarcação mais potente e se utilizou de grossas correntes, as mesmas usadas em içamento de carga, emprestada da administração do porto de Manaus, da recém formada Manaus Harbour.

Desta feita, já escorrendo o ano de 1906, a embarcação escolhida, foi a lancha “Miss” ainda sem registro, de propriedade de um grande seringalista (proprietário de imensos seringais) homem de tamanha riqueza, que seus filhos, estudavam na França. As famílias abastadas dos grandes seringalistas do Amazonas, chegavam a mandar lavar seus ternos e vestidos rendados de suas mulheres, feitos da mais pura cambraia de linho egípcio, em Londres, por ser um tecido mais fino e transparente que o linho puro e que se adaptou bem ao calor amazônico. Que quando lavados, nas águas do rio Negro, deixavam-nas amareladas com aspectos de velhas pela cor caramelada do rio.

O Coronel Euclydes Nazaré e sua equipe, em buscas frenéticas pelos igarapés, dias se passaram. Por fim, acabou por encontrar o tal “pau” encantado, próximo à Vila de Moura (no rio Negro). Segundo consta também nos noticiários locais, o Coronel decidiu pôr um fim nessa situação que já atraía curiosos, do mundo conhecido na época, e isso, não era bom, como lhe contaram à boca miúda, os empresários locais, poderia despertar concorrência para os negócios do extrativismo regional, castanha, juta, piaçava, tendo como principal item, o iniciante látex, já de tão boa aceitação na Europa. O Coronel, fez questão de acompanhar a tal expedição, embarcou com seu pessoal na lancha "Miss" e se aproximaram do “pau” encantado, temendo sempre o pior, a fama do “pau” já andava solta, cruzara os oceanos, Atlântico e o Pacífico, haviam manchetes nos grandes jornais americanos e londrinos, nesse clima de apreensão, conseguiram amarrar fortemente, correntes no tronco, enlaçando-o e fechando as pontas com grossos cadeados. Sentiram, ao dar a tração na embarcação, um enorme solavanco, temeram serem puxados, mas, para a surpresa geral, o tronco encantado, depois disso, não ofereceu mais resistência, ao contrário, deixou-se rebocar docilmente pela lancha, que os ajudantes temiam a qualquer momento, a rabanada. Um deles, ficou de vigília no antigo “caralho”, (nome dado à cestinha que ficava no mastro gigante dos navios) em cima do toldo, bem na popa, para ver se avistava algum rebojo anormal nas ondas, pois estavam prontos, ao menor sinal, para soltar as correntes, em caso de tentativa de arrastão da embarcação, como o ocorrido com o navio Triumpho. O lendário tronco foi-se conduzindo sem problemas, o Miss o rebocou tranquilamente até a localidade de Vila Paraíso, um lugar a meia hora de Manaus, em pleno rio Negro.

Ao chegar, levaram a ponta da corrente, que era puxada, e a engataram na traseira de um trator de arrastar toras, arranjado de última hora. O trator potente, acostumado a grandes cargas, mesmo assim, fez muita força para retirar o tronco d’água, atolando por diversas vezes, porém, assim que emergiu totalmente, para surpresa de todos, não encontraram nada debaixo dele como esperavam. Puderam avaliar o tamanho gigantesco do tronco e suas raízes, que se arrastavam pela areia como um grande ancinho de varrer terreiro, contaram mais de 30 braças (cada braça=2,2m). A parte submersa era mais de dez vezes maior do que a parte que emergia, como os icebergs, mais um assombro para os que viram, como aquilo ali, poderia ser tão facilmente arrastado pra cima e pra baixo? Nesse momento, enquanto todos estavam admirando a enormidade das raízes do tronco, ouviu-se bem lá no meio do rio, um grande estrondo, ao se virarem ainda deu pra ver uma enorme tromba d’água, que se levantou uns trinta metros acima d’água, igual ao estardalhar do salto de três baleias Jubartes uma atrás da outra. Ficaram imaginando o que seria tudo aquilo, e se isso tivesse acontecido ainda quando estavam fazendo o rebocamento do tal tronco, o Miss, por maior que fosse, não seria páreo para aquilo ali, escaparam fedendo de um certeiro naufrágio, os comentários pipocaram. O caboco que vigiava o movimento na popa, disse que, bem que tinha notado um estofo pauá (muito grande, em extensão) anormal da água, uns metros depois do tronco, como se alguma coisa muito grande o estivesse seguindo de perto, em movimentos de ondulações, como os das cobras, só não o alcançando pela velocidade do Miss, que era mais superior.

Passadas as especulações, no dia seguinte, o Coronel Euclydes, orgulhoso de sua proeza, trouxe o pau rebocado para Manaus, no dia 2 de maio do mesmo ano, à tarde, a lancha atracava na rampa do mercado Adolfo Lisboa, onde vários curiosos e profissionais da imprensa do mundo todo, o aguardavam, ovacionaram o Coronel e a tripulação de sua lancha por ter acabado com o mistério e, segundo uns, quebrado o encanto misterioso. (1)

Apesar de muitas explicações, não se conseguiu descobrir o enigma por detrás do célebre "pau do Tarumã". Tempos depois, surgiu a lenda de que havia se instalado na ilha de Marapatá, (bolo na linguagem indígena) na foz do rio Negro, onde descobriu-se um verdadeiro abismo, que o sonar assinalou uma fossa de mais de cem metros de profundidade, comprovado pelas sondagens da Petrobrás quando da passagem do gasoduto Urucu-Manaus. Dizem que ali, se instalou a velha Cobra Grande, do tal pau do Tarumã. Um ancião, com idade estimada entre 86 e 90 anos, de nome Aruká Juma (3) falecido recentemente, que falava com seus ancestrais, revelou que a boiuna de Marapatá, estava livre das raízes do tronco que havia se enroscado, e que, desde os tempos coloniais vagueava naquelas bandas e só recentemente após seu enrosco nas raízes é que saiu em busca de se livrar delas, estava agora quieta e agradecida no seu devido lugar sagrado, nas profundezas da fossa submarina da ilha de Marapatá. (3)

Fontes:

1. Gaspar Vieira Neto, amazonense, 45 anos, escritor, formado em História pela Universidade Federal do Amazonas e professor da rede Municipal de Ensino.

2. https://noamazonaseassim.com.br/conheca-a-famosa-ilha-de-marapata-a-ilha-encantada-dos-mitos/

3. https://www.megacurioso.com.br/saude-bem-estar/118060-ultimo-anciao-de-tribo-no-amazonas-aruka-juma-morre-de-covid-19.htm

Molar
Enviado por Molar em 25/03/2021
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