Mudança de última hora
Carmelo curvou-se sobre a prancheta de desenho, onde estava esboçando o protótipo. O conceito era inovador, e as proporções do veículo indicavam que seria usado para transportar carga em contêineres.
- Como uma carreta, - havia explicado o contratante, Máximo Alcabú - só que por via aérea.
- Imagino que os donos de frotas de caminhão não ficariam satisfeitos se soubessem o que pretende - sondou Carmelo.
- Por isso, quero todos os desenhos técnicos à moda antiga, no papel - especificou Alcabú. - Nada de computadores nessa fase do projeto; quero minimizar o risco de que algo vá parar na internet antes da hora.
Carmelo pensou consigo mesmo que havia um longo caminho a trilhar, entre a construção de um protótipo funcional e a produção em larga escala. Todavia, assumindo que Alcabú lograsse convencer alguns investidores sobre a viabilidade do seu "aerocargo", o céu era mesmo o limite. O veículo, que funcionava como um helicóptero de grande porte com quatro rotores, poderia ir a lugares onde um caminhão teria dificuldades em chegar - e com muito mais velocidade.
Não havia muitos desenhistas técnicos na cidade que ainda pudessem fazer esse tipo de trabalho nas condições especificadas por Alcabú, e Carmelo ficara satisfeito por poder participar de algo potencialmente tão revolucionário. Mas também sabia que poderia atrair atenções indesejadas, caso desconfiassem do que se tratava; ao erguer os olhos da prancheta, viu-se diante de uma jovem que o encarava com um sorriso no rosto.
- Como entrou aqui? - Indagou Carmelo, surpreso.
- A porta estava encostada - alegou a mulher. - Vim falar com você, Carmelo.
- Sabe o meu nome, mas não a conheço - replicou.
- Sou Elisenda Cabal - apresentou-se ela - e tenho uma oferta para você.
- Uma oferta de trabalho? - Ele franziu a testa.
- Sim. Preciso que faça uma pequena modificação no protótipo que está desenhando.
Carmelo continuou de testa franzida.
- Está me pedindo para sabotar o projeto que fui pago para desenvolver?
- Na verdade, estou pedindo para corrigir uma falha estrutural; se não o fizer, o voo inaugural do "aerocargo" será uma catástrofe, e Máximo Alcabú morrerá nele.
- Você está prevendo o futuro? - Questionou Carmelo.
- Eu vim dele - declarou calmamente a jovem, estendendo-lhe um papel dobrado. - Aqui, veja exatamente o que terá que alterar no projeto.
Desconfiado, Carmelo apanhou o papel e examinou o leiaute da peça; parecia muito com a que estava desenhando, fora alguns pequenos detalhes.
- Não sei se devo acreditar em você, mas não me parece grande coisa... - opinou.
Virou-se para encarar a jovem, e percebeu que ela havia desaparecido, tão silenciosamente quanto havia surgido. Ergueu-se e caminhou até a porta da sala, movendo a maçaneta da porta; a porta estava trancada, exatamente como ele se lembrava de havê-la deixado.
Carmelo voltou a sentar-se em frente à prancheta, o leiaute preso na régua T. Deveria acreditar em Elisenda Cabal e alterar a peça, ou deixar como estava no projeto original?
Finalmente, pegou a caneta nanquim e começou a fazer a alteração solicitada. Se aquele detalhe era tão importante para o mundo futuro, não seria ele quem se colocaria em seu caminho...
- [25-01-2021]